Geração de jovens estilistas de Nova York está em risco por causa da pandemia

Designers independentes formam a base da indústria da moda nos EUA

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Vanessa Friedman
The New York Times

Você talvez não conheça Batsheva Hay, Christopher John Rogers ou Carly Cushnie. Eles são estilistas emergentes independentes de Nova York, donos de pequenas grifes que levam seus nomes. Mas nos últimos anos eles foram descritos como “nomes a acompanhar”. Eles ganharam prêmios, vestiram celebridades e foram saudados na Fashion Week.

Dentro de alguns anos é bem possível que você terá vestido criações deles. Por enquanto, porém, os três estão sentados em seus respectivos apartamentos, roendo as unhas enquanto se fazem a mesma pergunta: será que vão conseguir manter suas empresas à tona até a curva do coronavírus ser achatada e as pessoas voltarem a comprar?

Diferentemente do que ocorre no setor da moda na França e Itália, dominada por grandes grifes tradicionais, nos Estados Unidos os designers independentes formam a base dessa indústria. E, não obstante a lei Cares, promulgada em 27 de março para socorrer os economicamente afetados pelo coronavírus nos EUA, quase todos esses estilistas estão em risco.

Pedestre passa pela loja de departamentos Saks, em Nova York, fechada por causa do isolamento provocado pela pandemia
Pedestre passa pela loja de departamentos Saks, em Nova York, fechada por causa do isolamento provocado pela pandemia - Victor J. Blue/AFP

“Podemos perder toda uma geração de estilistas jovens”, comentou Josh Goldman, cofundador da butique de Chicago Ikram. “É possível que a ideia de virar um pequeno estilista independente, que é o sonho de tantos jovens que estudam moda, vai virar coisa do passado.”

Dos 477 membros do Conselho de Estilistas de Moda da América (CFDA), quase 40% —de longe a maior parcela— são grifes que movimentaram menos de US$ 1 milhão no ano passado. A segunda maior porcentagem, 22%, é formada por marcas que ganharam até US$ 5 milhões. E uma em cada três dessas grifes independentes tem sua sede em Nova York, que é ao mesmo tempo “o epicentro da economia da moda americana e uma área que já foi e vai continuar a ser gravemente impactada por esta crise global”, nas palavras do presidente do CFDA, Tom Ford.

Desproporcionalmente dependentes de contas atacadistas —a maioria delas não possui loja própria nem uma operação de comércio eletrônico muito forte—, muitas das grifes já estavam tendo problemas após o fechamento da Barneys e Opening Ceremony, duas lojas conhecidas por divulgar nomes novos.

“Por mais que possam parecer glamurosas, essas grifes vivem de um ciclo de envio de seus produtos ao ciclo seguinte”, disse Gary Wassner, representante de 450 pequenas empresas de moda em Nova York, em carta de 21 de março ao governador Andrew Cuomo.

Com as lojas de departamentos e as butiques especializadas tendo fechado as portas, “a falência é uma realidade da qual elas não podem fugir”, comentou Steven Kolb, executivo-chefe do CFDA. “Ando recebendo dezenas de telefonemas por dia. As pessoas estão com medo.”

Segundo uma sondagem feita com 2.136 varejistas na América do Norte, 63% das lojas cancelaram pedidos que ainda não tinham sido entregues, 29% estão prevendo reduzir pela metade seus pedidos para a próxima temporada e 21% preveem ampliar seus prazos de pagamento para 60 a 90 dias (15% querem estender por mais de 90 dias), em lugar dos 30 dias de praxe.

Teoricamente falando, a grife poderia processar uma loja de departamentos ou outra por modificar os termos de pagamento acordados, mas, segundo Wassner, isso não acontece na prática, primeiro porque as grifes não teriam como arcar com as custas judiciais, e também porque querem preservar o relacionamento com o ponto de vendas. Isso significa que os estilistas podem ter que aguardar três a quatro meses antes de receber pelos pedidos que eles já criaram e enviaram, arcando com os custos disso.

Eles esperam que a Cares e um fundo chamado A Common Thread, criado recentemente pelo CFDA e a Vogue Fashion Fund, consigam ajudá-los para que possam se conservar à tona. Mas ninguém sabe se o dinheiro vai chegar a tempo. Seguem os relatos de alguns desses estilistas. As entrevistas foram editadas e resumidas.

Christopher John Rogers

Rogers, 26, fundou sua empresa um ano depois de se graduar pelo Savannah College of Art and Design, em 2016. Ele possui um estilo próprio que funde Joan Crawford com o Cotton Club, com ênfase em tecidos luxuosos e tonalidades saturadas lembrando gemas. Suas criações já foram vestidas por Rihanna e Tracee Ellis Ross.

Em 2019 Rogers recebeu o prêmio CFDA/Vogue Fashion Fund, o maior prêmio americano para novos talentos na moda. O prêmio inclui mentoreamento e US$ 400 mil, pagos em três parcelas. A primeira (recebida por volta do início do ano) permitiu a Rogers montar seu desfile. A segunda está prevista para chegar em abril, e a terceira, em agosto.

“Se eu não tivesse ganho o fundo, não sei o que estaríamos fazendo agora”, ele comentou em telefonema feito do apartamento de seu namorado, em Nova York, onde ele está isolado. “Na primavera vendemos para três lojas: Net-a-Porter, Forty Five Ten e MacMillan, na Califórnia. Fizemos um showroom em Paris para o outono de 2020 e houve interesse da parte de muitas lojas internacionais. Mas, com as lojas fechando e as pessoas não indo a eventos, tudo está em suspenso. A Forty Five Ten anunciou que está fechando pelo futuro previsível —e ela até agora só pagou metade do pedido para a primavera, que já foi entregue."

Batsheva Hay

Hay, 39 anos, fundou a Batsheva em 2016, depois de passar um tempo trabalhando como advogada. Ela esteve na vanguarda da tendência recente do vestido camponesa pós-olhar masculino, uma estética que talvez possa ser mais bem descrita como um amish irônico. Essa linha é vendida hoje em cerca de 50 lojas pelo mundo afora.

No dia anterior ao que Andrew Cuomo fechou todas as fábricas de Nova York, Hay e sua família (seu marido fotógrafo e dois filhos, de 5 e 7 anos) se mudaram para a casa de um amigo em South Salem, uma vila na zona metropolitana de Nova York. Hay está tentando fazer sua empresa funcionar de lá, em contato constante com duas funcionárias.

“Estou estudando criar luvas de forno, aventais, panos de prato —coisas que possamos fazer usando os tecidos que temos em mãos e que as pessoas podem querer de fato agora”, ela disse. “Sempre peço um depósito adiantado, mas das 50 lojas em que vendo, só umas sete pagam isso. E neste momento ninguém está pagando."

"Uma das grandes lojas que vende minhas criações na França enviou e-mail a todos seus clientes, alegando que não vai pagar por nada por motivos de força maior. Ela me deve US$ 10 mil. Eu diria que um sexto das lojas não pagaram."

“Se eu vender algumas coisas online através do meu próprio site de comércio eletrônico, poderei pagar minhas funcionárias, pagar o aluguel do nosso espaço, US$ 4.000 mensais, e conseguir sobreviver a tudo isto. Sem vendas diretas ao consumidor, eu estaria tendo problemas enormes e imediatos. Todo o mundo está tentando fechar um acordo com seus locadores. Eu estava prestes a assinar um contrato de aluguel de uma loja uma semana antes do lockdown. Graças a Deus que não cheguei a assinar."

Carly Cushnie

Cushnie, 36, é britânica, estudou na Parsons School of Design e fundou sua empresa, Cushnie e Ochs, com uma colega, 12 anos atrás. Dois anos atrás ela reestruturou a firma e assumiu a direção sozinha. Hoje cerca de cem lojas vendem suas criações, marcadas pelo tom urbano, body conscious e arquitetônico. Cushnie está trabalhando de casa, no Brooklyn. Está grávida de oito meses, tem um filho de 1 ano e faz malabarismos para cuidar dele e de seus 12 funcionários.

“Inicialmente pensamos que não teríamos problema, porque 95% do que fazemos é produzido em Nova York, então já tínhamos nossos pedidos da primavera prontos. Mas agora tudo foi fechado. O maior problema para nós é o varejo. As lojas já estavam tendo problemas antes do vírus. Agora estão cancelando ou reduzindo pedidos, e muitíssimas coisas estão em liquidação."

“Normalmente neste momento já estaríamos enviando os pedidos de pré-outono, mas muitos varejistas agora não querem antes de junho, julho ou até mais tarde. Muitos estão telefonando para reduzir ou cancelar por completo seus pedidos de outono. Estão pensando em usar o pré-outono como outono. Acho que nossos pedidos totais de outono caíram pela metade. Está faltando um trimestre inteiro de dinheiro."

"Estou superpreocupada, sem saber se vamos conseguir sobreviver. Nem pensei em setembro ainda. Todos os dias eu faço projeções do pior cenário e melhor cenário com minha equipe, estudamos o que precisa ser feito e que cortes podem ser feitos. Não quero encomendar tecido nem gastar dinheiro nenhum. Não vamos fazer um desfile este ano, isso já é certeza."

“Toda a equipe sênior está recebendo salário reduzido pela metade. Estou fazendo o possível para que ninguém perca o emprego, mas não sei sequer o que vai acontecer quando a semana chegar ao fim. Minha vice-presidente foi à Saks logo antes do lockdown para ver o que estava acontecendo, e uma vendedora lhe disse que as pessoas estavam com medo de tocar as roupas. Não sei quando isso vai mudar.”

Tradução de Clara Allain

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.