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Coronavírus

Jorge e Mateus, talvez sem querer, acabaram se descolando de Bolsonaro

Quem perdeu foi o presidente, que viu Mandetta ganhando visibilidade diante de um público jovem

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Um recorde mundial na internet. A consagração de um novo modelo de consumo de música. Uma ferramenta de marketing eficiente. Uma ameaça à programação de entretenimento da TV aberta. Um pouco mais de combustível para a disputa Bolsonaro versus Mandetta. Definitivamente, a live de Jorge & Mateus não foi pouca coisa.

A transmissão de quatro horas e meia que a dupla goiana realizou no último fim de semana, com cerca de 60 músicas, tem uma repercussão crescente. Durante a apresentação, a marca de 3,1 milhões de acessos simultâneos quadruplicou o recorde que o também sertanejo Gusttavo Lima tinha conseguido dias antes em outra "live-maratona" de cinco horas.

Jorge e Mateus fazem live de quarentena
Jorge e Mateus fazem live de quarentena - Reprodução

Com uma produção sofisticada muito além do que poderia se imaginar de uma apresentação caseira de voz e violão, Jorge, Mateus e Gusttavo redefiniram esse formato de transmissão. A dupla marcou mais pontos não apenas pelo tamanho da audiência, mas principalmente pela nada sutil peça de marketing montada.

Patrocinado por um novo sabor de cerveja, "Live Jorge & Mateus: Na Garagem" teve no palco uma geladeira lotada do produto. E a dupla tratou de contribuir muito na divulgação, dando pequenos goles constantes nos copos de cerveja que um garçom usando máscara de proteção tratava de manter abastecidos numa mesinha.

Jorge e Mateus são bons comunicadores com suas plateias, como sua própria discografia comprova. Nos dez álbuns lançados desde 2007, apenas dois são gravados em estúdio. Os outros oito são registros de shows, incluindo uma apresentação internacional no londrino Royal Albert Hall.

Eles mostraram desinibição em elogiar a cerveja, com naturalidade de amigos numa mesa de bar. E despejaram muitas outras propagandas pela transmissão, promovendo patrocinadores menores como a loja de discos de um amigo.

Se as lives que pipocam agora na internet foram motivadas pelo cancelamento de shows no isolamento diante da pandemia de Covid-19, a dupla goiana acabou cavando um papel forte na cena política efervescente nessa quarentena. Quando a live chegou a três horas, Jorge e Mateus terminaram de cantar um de seus maiores sucessos, "Voa Beija-Flor", e anunciaram um intervalo de três minutos.

Foi introduzida então uma mensagem de cerca de 50 segundos gravada pelo ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, agradecendo a iniciativa dos músicos que promovem lives. "A música não pode parar, mas a aglomeração deve parar", disse o ministro, entre frases que incentivavam o público a ficar em casa.

Depois da live, imagens vazadas de uma festa nos bastidores mostrando pessoas bebendo e conversando gerou barulho na internet. A dupla afirmou ter tomado precauções com a equipe e rebateu as críticas com as doações arrecadadas na transmissão. Segundo a produção, dinheiro suficiente para a compra de 216 toneladas de alimentos e 10 mil frascos de álcool em gel.

Mas a mensagem do ministro repercutiu mais do que essa polêmica. Difícil dizer quem ganhou mais nessa iniciativa. Mandetta cultivou simpatia entre as legiões de fãs da dupla, algo importante num momento em que o apoio popular é fundamental para preservar seu cargo. Jorge e Mateus, talvez até sem querer, acabaram se descolando um pouco da figura de Bolsonaro, muito associado a artistas sertanejos que dão apoio a ele.

Quem perdeu foi o presidente, que reclama de membros de seu governo que "querem aparecer" e viu seu desafeto ganhando visibilidade diante de um público jovem.

Não é só Bolsonaro que não deve ter aprovado o sucesso da live. A Globo, que investe em programas populares como "Só Toca Top", não gostou de ver artistas de forte apelo descobrindo como extrair o máximo de um novo formato em que dominam completamente as regras de produção e distribuição.

Essa percepção certamente levou Jorge & Mateus a tanto empenho na empreitada. A transmissão foi preparada por duas semanas, com os necessários testes técnicos para finalizar um produto de qualidade profissional. Pelo menos cinco câmeras foram utilizadas, e a qualidade de som beirou o impecável.

Artistas que há poucas semanas começaram essa onda em suas casas com uma câmera e um violão parecem seres pré-históricos diante das possibilidades sugeridas pelo formato. E a chance real de ter milhões de pessoas acompanhando essas performances já garante uma longa vida para as transmissões, mesmo após o cenário da pandemia.

Até a tarde de 7 de abril, o vídeo no canal de Jorge & Mateus já exibia um total de 38 milhões de acessos.

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