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O que terá acontecido depois do final da série 'A Máfia dos Tigres'?

Joe Exotic está preso? O zoológico continua aberto? É legal manter tigres em cativeiro nos EUA?

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Alan Yuhas Maria Cramer
The New York Times

Viajando pelos Estados Unidos em 1866, o empresário circense P. T. Barnum se desentendeu com o fundador da Sociedade Americana para a Prevenção da Crueldade Contra Animais. Tendo sido informada de um ataque por um animal a um visitante de um zoológico em Long Island, em Nova York, em 1933, uma mulher escreveu ao seu jornal para se queixar: “É difícil compreender por que esses ‘zoos’ de beira de estrada são autorizados a operar.”

Muita gente que assiste à Netflix em 2020 está pensando a mesma coisa.

Essa questão, e muitas outras, emergiram da série documental “A Máfia dos Tigres”, que conta a história de Joseph Maldonado Passage, mais conhecido como Joe Exotic, ex-proprietário de um zoológico de beira de estrada em Oklahoma e agora presidiário em uma penitenciária federal americana por, entre outras coisas, ter tentado contratar um assassino profissional para matar uma ativista dos direitos dos animais.

Desde que a série foi lançada, no mês passado, Joe Exotic, 57, conquistou todo um novo grupo de aliados contra diversos de seus antigos associados e inimigos, o principal dos quais é a ativista Carole Baskin.

Algumas pessoas estão apelando por sua libertação da prisão onde está servindo uma sentença de 22 anos.

A história dele energizou os ativistas dos direitos dos animais, que dizem que o documentário escolheu transformar os desentendimentos em sensacionalismo e perdeu uma oportunidade de expor as crueldades que acontecem nos zoológicos de beira de estrada.

Se você assistiu à série, ou ouviu falar a respeito dela, provavelmente tem mais que algumas dúvidas sobre a história. Abaixo, as respostas para algumas delas.

Joe Exotic está preso, agora, então?

Nos episódios finais da série, a raiva que Joe Exotic sempre teve de Carole Baskin, a ativista dos direitos animais, motiva uma trama para usar violência contra ela, o que atrai a atenção do Serviço Federal de Investigações, o FBI.

Ele foi condenado em abril do ano passado por duas acusações de ser mandante de um homicídio e por diversas outras relacionadas aos animais que seu zoológico mantinha. Ele foi sentenciado em janeiro, mas sustenta que é inocente, em uma mensagem no Facebook, e recorreu à instância superior. Os advogados de Joe Exotic se recusam a comentar.

Ele também abriu um processo no qual pede indenização em valor de US$ 94 milhões (R$ 490,8 milhões), contra o Departamento do Interior, um procurador de Justiça e outras pessoas, de acordo com documentos do processo. Na queixa, apresentada em 17 de março, ele afirma que o caso contra ele incluía testemunhos falsos e perjúrios e que ele foi vítima de discriminação como “um homem abertamente gay dono da maior coleção de tigres genéricos e outros felinos”.

Um porta-voz da procuradoria da Justiça Federal americana no distrito oeste de Oklahoma, que responde pelo processo original contra Joe Exotic, se recusou a comentar. Um dos acusados no processo é Jeff Lowe, que adquiriu o zoológico de Joe Exotic em Wynnewood, no estado de Oklahoma, antes que os dois se desentendessem. Ele não foi localizado de imediato para comentar.

Ainda que Joe Exotic esteja em uma penitenciária federal no Texas, sua conta no Facebook se manteve ativa. Em uma postagem na semana passada, ele pediu ajuda para enviar uma carta ao presidente Donald Trump pedindo que ele “faça a coisa certa, que é me perdoar ou permitir que eu responda em liberdade durante meu recurso”.

O ex-proprietário de zoológico também está “muito entusiasmado” com a fama que conquistou, disse Rebecca Chaiklin, uma das diretoras da série, ao jornal The Los Angeles Times.

O zoológico continua aberto?

Estava, até a semana passada.

A série ganhou popularidade no momento em que muitas empresas, de todo o país, se viram forçadas a fechar por causa do coronavírus.

Em uma mensagem no Facebook, no domingo, Lowe disse que “o número de visitantes vem sendo imenso desde a série da Netflix e temos até dificuldade em controlar tanto tráfego”.

Mas, na terça-feira, o xerife Jim Mullett, do condado de Garvin, em Oklahoma, disse que o zoológico havia sido fechado de acordo com a instrução do governador de que todos os negócios não essenciais fechassem as portas no estado.

E quanto à música de Joe?

Surgiram vídeos que mostram Joe Exotic cantando “A Máfia dos Tigres”, mas a música desses vídeos nunca foi dele. As canções foram gravadas por Vince Johnson e Danny Clinton, dois músicos do estado de Washington.

Johnson disse à revista Vanity Fair que a Clinton Johnson Band começou a trabalhar com Joe Exotic respondendo a um anúncio. Ele queria uma canção-tema para seu zoológico e oferecia oportunidades de divulgação em um reality show de TV, que segundo ele estava em produção.

Johnson disse que sua banda concordou em compor canções que seguissem temas e sugestões oferecidos por Joe.

“Eu não fazia ideia de que ele fosse dar uma de Mili Vanilli com as canções”, disse Johnson à revista, em referência à dupla pop que assumiu crédito por canções que nunca tinha gravado, o que lhes custou o prêmio Grammy que tinham vencido, em 1990. Johnson disse que, depois de alguns meses de colaboração, ele encontrou um vídeo de Joe Exotic no YouTube, “dublando a música e agindo como se fosse o fantasma de Elvis”.

Por fim, Johnson concluiu que tinha sido trapaceado quanto ao reality show, e disse que “só quero o devido crédito”.

Ele e Clinton são mencionados nos créditos da série “A Máfia dos Tigres”.

O que aconteceu com o marido de Carole Baskin?

A investigação sobre o desaparecimento de Don Lewis, o rico ex-marido de Carole Baskin, em 1997 —um dos diversos mistérios que a série destaca— jamais foi encerrada oficialmente. Joe Exotic e outros dão a entender que Baskin estava envolvida no desaparecimento do marido, acusação que ela nega.

Nesta semana, o xerife Chad Chronister, do condado de Hillsborough, no estado da Flórida, mencionou a popularidade da série ao pedir novas informações ao público sobre o desaparecimento de Lewis. Ele disse a jornalistas que havia indicado um detetive para supervisionar as pistas que surgissem “por causa do fenômeno que vimos na Netflix”.

(Chronister assistiu a “A Máfia dos Tigres”. Ele disse que a série havia sido “distorcida” para prover entretenimento, mas era interessante. “Levante a mão se você não é fã de Joe Exotic, se não está torcendo por aquela pessoa, mesmo sabendo que ele agiu de modo suspeito em algumas de suas transações”, disse o xerife.)

Chronister afirmou que seu departamento estava recebendo cerca de seis telefonemas por dia sobre o caso, mas que até o momento não haviam surgido pistas confiáveis. “Vamos revisar muitas das provas”, ele disse. “É difícil até descrever como esse caso foi complicado.”

E o Big Cat Rescue?

O Big Cat Rescue é um santuário para animais, uma organização sem fins lucrativos que opera em um terreno de 27 hectares na Flórida, sob o comando de Carole Baskin, com quem Joe Exotic brigava frequentemente e a quem ele foi acusado de mandar matar.

Em uma mensagem de blog postada depois do lançamento de “A Máfia dos Tigres”, ela contestou diversas das “impressões incorretas sobre as quais as pessoas nos enviaram emails”, por exemplo o número de visitantes que o santuário admite (em geral grupos de menos de 20 pessoas de cada vez, segundo Baskin), e os salários dos trabalhadores (“entre os 30 [US$ 30 mil por ano] e os 60”).

Toda a renda gerada pelo santuário “fica na organização sem fins lucrativos para ajudá-la a realizar sua missão”, escreveu Baskin.

Ela disse que era bom que “a série pareça ter atingido uma audiência que não fazia ideia sobre o que acontece nos zoológicos de beira de estrada”, que às vezes operam sem licença, mas criticou a maneira pela qual os realizadores caracterizaram o desaparecimento de Lewis.

Kate Dylewsky, ativista pelos direitos dos animais e conselheira do Animal Welfare Institute, disse que trabalhou com Baskin por anos, para lutar pela aprovação de um projeto de lei sobre grandes felinos e segurança pública. O projeto tornaria ilegal que pessoas venham a adquirir grandes felinos, como leões e tigres. Ela disse que Baskin tinha uma reputação impecável entre os defensores dos direitos dos animais, muitos dos quais recorreram à mídia social para lastimar a maneira pela qual ela foi retratada no documentário.

“O documentário oferecia muitas falsas equivalências entre ela e os proprietários de zoológicos de beira de estrada”, disse Dylewsky. “As pessoas estão realmente chocadas com o modo pelo qual ela vem sendo tratada recentemente.”

Na sua mensagem de blog, Baskin disse ter participado na produção da série da Netflix porque os diretores tinham dito que exporiam abusos nos zoológicos de beira de estrada.

“A série não só não faz nada disso como tinha por único objetivo ser o mais perversa e sensacionalista que pudesse a fim de atrair telespectadores”, disse Baskin. Ela afirma que a produção “se baseou em mentiras e em ilações de pessoas não confiáveis”, ao retratar o desaparecimento de seu marido.

E os demais protagonistas?

Bhagavan Antle, outro propietário licenciado de animais selvagens que é destaque na série, a definiu como “entretenimento sensacionalista”. Em um post no Facebook na semana passada, ele disse que seu Myrtle Beach Safari “respeita todas as normas do Departamento da Agricultura dos Estados Unidos e nossos animais são tratados com o máximo cuidado”. Ele disse que sua equipe estava “muito decepcionada por o nosso estabelecimento ter sido mencionado”.

Agentes da polícia estadual da Carolina do Sul realizaram buscas no Myrtle Beach Safari em dezembro, mas um porta-voz da agência, Tommy Crosby, disse na quarta-feira que o estabelecimento não estava sob investigação.

”Os mandados de busca cumpridos em dezembro se relacionavam a uma investigação que estava sendo conduzida pelas autoridades da Virgínia”, ele disse.

Em dezembro, Antle disse ao canal local de TV WMBF que a investigação se relacionava a um zoológico da Virgínia e à história de três filhotes de leão que ele obteve na metade do ano passado.

“Eles queriam que tentássemos ajudá-los a estabelecer de onde vieram os leões e buscavam qualquer prova ou pista sobre como eram as vidas dos animais antes de eles virem para cá”, ele disse. “O Myrtle Beach Safari não está envolvido em coisa alguma de irregular.”

Charlotte Gomer, porta-voz da secretaria de Justiça da Virgínia, disse que a unidade de leis animais do departamento “participou da investigação no Myrtle Beach Safari”, mas que não podia “acrescentar qualquer outra informação no momento porque a investigação continua em curso”.

Ela disse que no ano passado a unidade havia garantido a custódia de 119 animais exóticos e agrícolas de um zoológico de beira de estrada na Virgínia, o Wilson’s Wild Animal Park, e que o proprietário do estabelecimento e o sobrinho dele haviam sido indiciados por um júri de instrução por 46 acusações de crueldade contra animais. Uma audiência sobre o caso está marcada para o dia 7 de maio.

O Myrtle Beach Safari não respondeu de imediato a pedidos de comentário.

John Finlay, que manteve um longo relacionamento com Joe Exotic, depôs em seu julgamento federal.

Ele criou uma página no Facebook, “a verdade Sobre John Finlay”, e deu entrevistas sobre suas experiências no zoológico e durante as filmagens. (Finlay disse que fez um tratamento dentário na metade de 2019 mas que os produtores da série não mostraram seus dentes reparados.)

Ele disse ao ator David Spade que ele e Joe Exotic nunca haviam se casado legalmente e que o ex-parceiro estava “completamente fora" de sua vida. Finlay agora tem uma noiva e disse, sobre a reação à série, que “foi muito mais positiva do que negativa, no meu caso”.

O Cameo, um serviço que permite que fãs paguem para que celebridades nem tão famosas lhes enviem mensagens em vídeo, disse que Lowe agora estava trabalhando com a companhia e estava disponível para gravar vídeos personalizados.

De acordo com documentos judiciais, Lowe enfrenta quatro acusações em aberto em um tribunal municipal de Las Vegas, onde foi acusado de fazer negócios não autorizados, em 2017, por não obter licença ou autorização para posse de animais selvagens ou agrícolas. Uma audiência está marcada para o dia 1º de junho.

O advogado dele não foi localizado de imediato para comentar.

É legal, de alguma maneira, manter tigres em cativeiro?

Alguns estados americanos proíbem completamente que pessoas desprovidas de uma licença federal sejam proprietárias de grandes felinos, enquanto outros adotam menos restrições, ou restrição alguma. Organizações de defesa dos direitos dos animais dizem que essa diversidade de regulamentos deixa os animais selvagens desprotegidos e é um risco para a segurança do público.

Muitas vezes, pessoas com pouca ou nenhuma experiência como administradores de zoológicos compram filhotes de tigres ou leões, e administrá-los se torna mais difícil quando eles crescem. Os defensores dos direitos dos animais apontam muitas vezes para um caso de 2011 envolvendo um homem do Ohio que decidiu libertar dezenas de animais que tinha, entre os quais tigres de bengala, ursos pardos e leões. A polícia matou os animais, alguns dos quais tinham chegado a uma rodovia estadual.

Os zoológicos de beira de estrada são problemáticos porque criam grandes felinos para fins lucrativos, disse Kate Dylewsky, do Animal Welfare Institute.

Os filhotes são tirados de suas mães, muitas vezes ao nascer, e exibidos a turistas que querem acariciá-los, ela disse. Muitos sofrem abusos da parte de seus tratadores.

“Esses filhotes são animais selvagens”, ela acrescentou. “Mas são tratados como adereços e objetos, não como animais.”

E, quando envelhecem, podem se tornar um fardo para os proprietários, disse Dan Ashe, presidente da Associação de Zoológicos e Aquários, uma organização setorial.

“Eles terminam transferidos para algum lugar no qual recebem cuidado inadequado, ou cuidado algum”, ele disse.

Os proprietários de animais exibidos ao público precisam de licença, sob a Lei dos Direitos dos Animais, que é fiscalizada pelo Departamento da Agricultura americano.

Os proprietários licenciados precisam garantir que os animais tenham abrigo, saneamento, nutrição, água e tratamento veterinário adequados e que sejam protegidos contra temperaturas extremas.

Mas, ainda assim, os proprietários são capazes de criar felinos, transferi-los de um estado a outro e permitir que o público acaricie filhotes de tigres e pose com leões, o tipo de contato exibido em “A Máfia dos Tigres”, disse Ashe.

O projeto de lei de segurança pública sobre grandes felinos tornaria tudo isso ilegal, e impediria que leões, tigres, jaguatiricas e híbridos dessas espécies sejam vendidos a novos proprietários.

A criação e transporte de grandes felinos ainda seria autorizada para organizações educacionais e santuários de animais e zoológicos que respeitem certas restrições, como proibir contato direto entre animais e o público, de acordo com o texto do projeto. O deputado federal Mike Quigley, democrata do estado de Illinois que apresentou a mais recente versão do projeto, disse que a medida tem mais de 220 assinaturas e foi aprovada no final do ano passado pelo comitê de recurso naturais da Câmara.

“Em resumo, o que importa é o bem-estar dos animais e a segurança pública”, ele disse. “Se um documentário ilumina essa situação e ajuda na aprovação do projeto, então ótimo.”

Tradução de Paulo Migliacci

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