O local em que eles trabalham é um segredo que guardam, mesmo de velhos amigos. Os artesãos que operam nas instalações de armazenagem do museu Guggenheim, no West Side de Manhattan, compreendem há muito tempo que manter o silêncio sobre o local em que trabalham, um armazém separado do museu que abriga algumas das mais preciosas obras de arte do planeta, é parte de seus deveres.
Por isso, agora, abrigados em casa e preocupados com a possibilidade de licenças não remuneradas e demissões por um museu que enfrenta dificuldades causadas pela falta do dinheiro gerado pela venda de ingressos, os trabalhadores que ajudam na manutenção da coleção e na preparação das peças para exposições dizem compreender o compromisso que assumiram.
“Eles sentem uma responsabilidade moral de proteger essas obras”, diz Andres Puerta, membro da direção local do sindicato que representa os trabalhadores. “Estão cientes do grande peso dessa responsabilidade.”
As preocupações deles se reproduzem nos corredores silenciosos de um mundo fechado, à medida que os museus trabalham para compreender como enfrentar a possibilidade de riscos adicionais de segurança. Os sistemas de alarme e os seguranças uniformizados continuam em atividade, claro, e nunca foi fácil vender peças roubadas das famosas coleções dos museus.
Mas a pandemia significou o fechamento de instituições e reduções de quadro. Os grandes espaços dos museus agora estão em geral vazios durante o dia todo, e não só de noite. Em muitos lugares, a polícia está distendida pelo esforço de combate à doença e pela falta de pessoal. O distanciamento social significa que muitas das pessoas que seriam testemunhas de um possível furto agora passam o dia trancadas em casa.
“O risco é sério”, diz Steve Keller, consultor de segurança de museus, que trabalhou com a Galeria Nacional de Arte, em Washington, com a Smithsonian Institution e outros museus. “Os ladrões podem imaginar que os museus estão enfraquecidos e isso agrava a ameaça”.
Na semana passada, ladrões invadiram um pequeno museu da Holanda, fechado por causa do coronavírus, e furtaram um quadro dos anos iniciais de carreira de Van Gogh, “Jardim da Paróquia de Nuenen na Primavera”. Os policiais que responderam ao alarme do museu encontraram uma porta de vidro quebrada e um lugar vazio na parede, onde o quadro costumava estar.
Duas semanas antes, uma galeria da Universidade de Oxford, também fechada em função do vírus, teve três quadros dos séculos 16 e 17, entre os quais “Soldado a Cavalo”, do artista flamengo Anthony van Dyck, furtados.
Os museus, compreensivelmente, não discutem suas medidas de segurança ou preocupações, e se limitam a dizer que "as salvaguardas usuais estão em vigor".
"Os edifícios do museu estão tão seguros, nas circunstâncias atuais, quanto sempre estiveram”, diz uma porta-voz do Museu de Belas Artes de Houston, que tem seguranças trabalhando 24 horas por dia.
Um porta-voz do Metropolitan de Nova York se limitou a dizer que lamenta, "mas simplesmente não falamos sobre procedimentos de segurança”.
Keller e Stevan Layne, fundador e diretor da Fundação Internacional de Proteção a Propriedades Culturais e antigo diretor de segurança do Museu de Arte de Denver, dizem que os museus não estão necessariamente mais vulneráveis, agora.
Mas ainda assim os dois recomendam que as instituições confirmem que os sistemas de alarme estão funcionando e que o ingresso de pessoas nos edifícios dos museus seja restringido de maneira mais severa. “Que um curador tenha esquecido o óculos na mesa não deve ser tratado como emergência”, diz Keller.
Em mensagem de email, uma porta-voz do Guggenheim citou precauções semelhantes.
“O museu Guggenheim continua a manter operações de segurança 24 horas por dia, com monitoração reforçada de todas as instalações e escritórios”, escreveu a porta-voz, Sarah Eaton. “Durante o período de fechamento, nenhum convidado ou empregado não autorizado ou inesperado está sendo admitido no museu ou no local de armazenagem, até ordem contrária."
A polícia de Nova York, que ajuda a proteger o Guggenheim e outros museus, foi seriamente prejudicada pela doença. Há uma semana, por exemplo, quase 7.000 de seus integrantes uniformizados estavam em licença médica, o que representa mais de 19% do pessoal uniformizado do departamento.
Além disso, policiais vêm realizando milhares de visitas ao dia para garantir que bares e restaurantes estejam fechados e que as pessoas sigam as normas de distanciamento social nos supermercados e lugares públicos.
O crime em geral caiu em Nova York na segunda quinzena de março, ante o mesmo período em 2019. Mas os furtos subiram 17%.
Uma porta-voz da polícia, sargento Jessica McRorie, afirmou em mensagem de email que “a polícia de Nova York se adaptou rapidamente e com sucesso” aos desafios gerados pelo vírus.
Perguntada se alvos importantes como os museus estavam recebendo atenção especial, McRorie escreveu que “o comandante de cada distrito policial decide se patrulhas adicionais serão conduzidas em um local, e essa decisão se baseia nas condições específicas do distrito e nos recursos disponíveis”.
Enquanto durar a pandemia, diz Keller, os museus deveriam presumir que estão em “modo noturno” permanente, e confiar nas medidas de segurança que costumam adotar quando as instituições fecham as portas para o público, à noite.
Ele diz que alguns sistemas, como alarmes, câmeras e sensores de movimento, que se propriamente configurados são capazes de detectar uma pessoa caminhando de galeria a galeria, ainda seriam uma forma efetiva de combater possíveis ladrões, especialmente se os seguranças e outros trabalhadores essenciais, como equipes de manutenção, estiverem equipados com rádios para que qualquer incursão possa ser investigada de imediato.
E, embora as galerias de museus que contenham certos tipos de obra, como pinturas e desenhos sobre papel, possam sofrer com exposição prolongada à luz, Keller diz que sugeriu aos seus clientes que mantenham as luzes acesas permanentemente em outras galerias, para que qualquer atividade nelas possa ser vista, de dia ou de noite, pelos guardas que observam os monitores de segurança.
Os custos de seguro provavelmente não mudarão, ele diz, a não ser que um museu esteja exibindo obras emprestadas por outra instituição. Nesse caso, segundo Keller, o museu que recebe as peças pode ajustar seu seguro de forma a cobrir os itens recebidos.
Cada museu opera de modo diferente, mas tipicamente todos têm cobertura de seguro que os ressarciria em caso de roubos, incêndios e inundações. O seguro de uma coleção permanente pode ser expressado por um contrato genérico, em lugar de com base em uma lista específica de obras.
E alguns especialistas aconselham que os museus mantenham seguros em valor que cubram as partes das coleções que podem ser perdidas ou destruídas em um mesmo momento, e que os museus garantam que a cobertura aconteça pelo valor corrente de mercado da peça.
Além disso, diz Keller, ele aconselhou seus clientes a distribuir seus seguranças mais experientes entre os diversos turnos e garantir que as mesmas equipes de segurança trabalhem juntas, para evitar que um guarda adoeça e possa infectar toda a força de segurança.
Pelo menos um museu, ele diz, havia instalado catres e estava fornecendo comida para que os seguranças possam essencialmente viver lá, isolados de qualquer pessoa que possa ter contraído o coronavírus e oferecendo segurança 24 horas.
Mas Keller diz que quanto mais tempo a pandemia durar, mais os seguranças teriam de compensar a ausência do pessoal regular dos museus cujos olhos e ouvidos podem ajudar a proteger as instituições contra problemas mais cotidianos —como vazamentos em encanamentos, capazes de danificar obras de arte, ou uma luminária deixada ligada ao lado de uma pilha de papéis, o que poderia causar um incêndio.
“Os seguranças terão de ficar um pouco mais atentos às condições ambientais dentro do edifício, ao cheiro de fumaça e ao som de água gotejando”, ele diz. “Isso ameaça a coleção tanto quanto um ladrão o faz."
Tradução de Paulo Migliacci
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