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'Plot Against America' dá sensação de viver o fervor do fascismo

Série da HBO é o melhor produto audiovisual baseado na obra literária de Philip Roth até o momento

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São Paulo

Na narrativa distópica de “The Plot Against America”, minissérie de seis episódios baseada na obra de Philip Roth, um governo alinhado a Hitler ganha democraticamente as eleições americanas de 1940.

O discurso usado pelo candidato Charles Lindbergh é antiguerra —​seu opositor, Franklin D. Roosevelt, se meteria no conflito europeu contra os nazistas e condenaria à morte milhares de jovens. Por isso, atrai uma multidão de gente de bem que, sabendo ou não, acaba comprando junto um presidente próximo do antissemitismo.

Ele jura que não tem nada contra judeus, olha só, um rabino até sobe em seu palanque. Mas, na prática, o que se vê não é bem isso.

A série traduz à perfeição a sensação tão desesperadora usada por cientistas políticos para descrever o avanço do autoritarismo –é como se os personagens centrais, uma família judia do estado de Nova Jersey, fossem sapos dentro de uma panela cuja temperatura aumenta aos poucos. A ansiedade sobre se (ou quando) eles vão finalmente morrer cozidos acompanha todos os minutos da série.

No quesito cozimento a fogo baixo, David Simon e Ed Burns, responsáveis pela adaptação, são os maiores especialistas da TV. Trazendo debaixo do braço a realização de “The Wire”, talvez o seriado que mais toma seu tempo para revelar o panorama total que está desenhando, aqui eles caminham em ritmo parecido.

A paciência ao contar a história acaba resvalando no maçante em alguns momentos, mas esse é o ponto. Enquanto as vidas correm cotidianamente, o fogão do país está aceso. A questão é até onde vai subir a temperatura e o quanto os personagens estão dispostos a se acostumar.

É nisso que os protagonistas se distinguem, e é aí que reside boa parte do fascínio do texto de Roth. Enquanto uns optam pelo enfrentamento de peito aberto ao Estado fascista que se ergue (indo ao front de batalha ou fincando o pé em casa), outros ficam tentados à fuga desesperada (sem nunca realmente seguir adiante).

Outros ainda veem na integração ao governo que se instala a melhor alternativa. Aqui vale abrir parênteses para celebrar o trabalho de Winona Ryder e John Turturro, que, usando o material fino que têm em mãos, atestam os grandes atores que são ao evitar a transformação de seus personagens facilmente condenáveis em estereótipos de mesquinharia.

O melhor de “The Plot Against America” é seguir atento às viradas sutis de roteiro e notar como tudo segue escalando ao redor dos personagens, à revelia ou por causa deles, o que nos faz perguntar quando virá o inevitável ponto de não retorno. O avanço do fascismo ali é implacável e estamos diante de uma série que, se não chega ao catastrofismo total de “Years and Years”, não oferece muita saída otimista.

A comparação com a escalada populista de hoje fica evidente, até pelo uso do slogan “América primeiro” pelos apoiadores de Lindbergh —talvez o maior defeito da série seja que fica evidente até demais, como se a obra levantasse a todo tempo as sobrancelhas ao espectador para checar se ele está entendendo.

Mas a narrativa está na mão de mestres, que desde “The Wire” se especializam em mostrar como o grande quadro da política começa e termina na vida comum dos cidadãos. O que temos ao fim é que essa produção meticulosa da HBO, cujo último episódio foi ao ar nesta semana, se tornou o primeiro grande produto audiovisual a sair da obra de Philip Roth.

Resta esperar que não represente, além disso, um presságio da fervura da nossa grande panela.

The Plot Against America

  • Onde Minissérie completa disponível no HBO Go
  • Autor David Simon e Ed Burns, baseados em obra de Philip Roth
  • Elenco Winona Ryder, Zoe Kazan, John Turturro e Morgan Spector
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