Thundercat conta como a morte do melhor amigo, Mac Miller, influenciou seu disco

'Mudou a minha vida de muitas maneiras', afirma o baixista, que lançou seu quarto álbum, 'It Is What It Is', este mês

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Thundercat teve de parar a criação de seu novo álbum após a morte do rapper Mac Miller. “Perdi meu melhor amigo”, ele diz. “Foi muito difícil, para mim, entender isso. Mudou a minha vida de muitas maneiras. Foi difícil conseguir negligenciar aquilo. Já aconteceu várias vezes, mas dessa vez foi mais difícil.”

O baixista diz que, com a morte de Miller —em setembro de 2018, após uma overdose de drogas—, até tentou continuar a produzir, mas se viu paralisado pelo luto. “Não parei mesmo na morte de Mac. Mas, em algum ponto, tive que parar, deixar a dor fluir. Pausou meu processo. Eu não conseguia criar nada.”

o baixista thundercat
O baixista e cantor Thundercat - Parker Day/Divulgação

O clima de reflexão e o luto sobre vida, morte e amor marcam “It Is What It Is”, o novo disco de Thundercat, que saiu neste mês. Mas o álbum, que teve o lançamento mantido mesmo com a pandemia do novo coronavírus, não chega a ser mórbido e nem trata da morte de Mac Miller de maneira literal.

“It Is What It Is” chega no momento de maior exposição da carreira de Thundercat, baixista que fez carreira com o grupo de thrash metal e hardcore Suicidal Tendencies —além de ter tocado com Ekykah Badu e Snoop Dogg, entre muitos outros. Ele lançou dois discos solo no começo da década, mas ficou conhecido do grande público com a participação em “To Pimp a Butterfly”, aclamado álbum de 2015 do rapper Kendrick Lamar.

Segundo Thundercat, a mudança não foi só ser mais conhecido, mas uma virada completa de rumos. Em vez da barulheira agressiva do Suicidal Tendencies, ele agora faz uma mistura bastante particular de jazz, funk, R&B, hip-hop e as texturas sintéticas dos anos 1980, com vocais suaves em falsete e referências a desenhos animados e videogames.

“As coisas começaram a mudar depois do Grammy”, afirma o baixista, referindo-se à edição de 2016 da premiação americana, quando “These Walls”, sua música com Lamar, levou o prêmio de melhor colaboração de rap. “Várias pessoas entraram e saíram da minha vida muito rápido. [A fama também] Jogou luz sobre os problemas da minha vida. Abriu a caixa de Pandora, tudo ficou mais evidente.”

Thundercat está falando sobre a chegada da fama, que o levou aos grandes festivais do mundo após “Drunk”, seu disco de 2017. Com 23 faixas curtas, na esteira do sucesso de “To Pimp a Butterfly”, foi o trabalho que marcou a sonoridade caraterística do baixista.

Mas, enquanto as texturas e o estilo acelerado de tocar baixo se mantêm, parte do senso de humor foi deixada de lado. Em “Existential Dread”, ele repete o mantra título do álbum, enquanto, em “Lost in Space / Great Scott / 22-26”, pergunta —“Tem alguém aí? Preciso saber se você consegue me ouvir/ Está tão frio e solitário/ Só preciso de um pouco de sol”.

Em “King of the Hill”, Thundercat fala sozinho. “É sobre a ideia de quem você pensa que é, pessoalmente falando. Essa é uma questão recorrente comigo mesmo —quem eu penso que sou?”, diz.

Já “Black Qualls”, com participações de Childish Gambino, Steve Lacy e Steve Arrington, pesa a carreira, o próprio sucesso e o racismo. “É sobre o que significa sair de nada para ter algo. E o medo de ficar cego, de falhar, e perder isso. Depois de crescer nos Estados Unidos sendo negro e pobre. Ser pobre não é só um problema das pessoas negras, é de qualquer um. Mas ser negro é diferente.”

Aéreo, “It Is What It Is” conversa em algum nível com “Circles”, o disco póstumo de Mac Miller, lançado neste ano. “Na primeira ouvida, não consegui processar. Demorou meses até que eu conseguisse voltar ao disco, com uma mente e um sentimento diferentes, para ouvir com outra cabeça. E, honestamente, quando consegui, me senti melhor. Senti que podia ver os sentimentos e emoções de todo mundo. E o disco é absolutamente bonito.”

Thundercat, que sempre foi um parceiro musical de Miller, diz que chegou a “batalhar contra” o álbum póstumo, mas elogia o trabalho do produtor Jon Brion, que finalizou o material deixado pelo rapper. Desde que foi lançado, “Circles” vem sendo bem recebido pela crítica.

“Depois de um tempo, percebi que aquele disco precisava ter sido finalizado. [O produtor] Jon Brion fez um trabalho muito bom, ele também era muito próximo de Mac. Sinto que é o disco que Mac sempre quis fazer. No estúdio, enxergava ele como um artista completo, não só um MC. Ele era um músico, e sempre tentava arrumar um jeito de as pessoas entenderem isso. É triste que ele não esteja aqui para ver isso acontecendo.”

O Jon Brion de Thundercat, ele diz, é Flying Lotus. O respeitado produtor de hip-hop e música eletrônica, amigo do baixista há anos, assina com ele a maior parte da produção de "It Is What It Is". "Ele é o ponto final da minha música. Me ajuda a entender como juntar tudo. É ele quem completa as frases e bota o final."

Lotus é parcialmente responsável pelos timbres e texturas de Thundercat em sua carreira solo. Esteticamente, o baixista de 35 anos afirma que busca uma espécie de conforto nas sonoridades sintéticas dos anos 1980, que relaciona com a própria infância.

"Cresci jogando videogame e vendo desenho animado. Acho que existe algo sobre a frequência e como isso ressoa em mim. Algumas sonoridades simplesmente se tornam mais familiares —e gosto desse tipo de abordagem para música. Quando você é criança, sente certas frequências no cérebro, e isso ajuda a entender melhor as coisas, fazem se sentir bem e tranquilo. Essas frequências fazem isso comigo."

Em “Overseas”, música escapista de “It Is What It Is”, Thundercat fala sobre uma garota que ele queria encontrar no Brasil. O país, diz o baixista, é “possivelmente” seu lugar favorito no mundo.

“Sinto o amor que vocês têm não só pela música, mas por tudo. Acho que isso é algo comum entre músicos, especialmente músicos negros”, diz. “Você se sente muito conectado. Não sei se é o jeito de vocês tratarem os outros, mas é lindo.”

Thundercat faria três shows no Brasil em maio, no Rio de Janeiro, em São Paulo e Porto Alegre. As apresentações, contudo, foram canceladas devido à impossibilidade de fazer aglomerações em meio ao avanço da Covid-19.

Mas o baixista, fã de Egberto Gismonti, Milton Nascimento, Arthur Verocai, Gal Costa, Marcos Valle, Toninho Horta, entre muitos outros, não deve demorar a retornar.

“Muitos dos meus artistas favoritos são brasileiros. Sempre retorno a eles quando estou travado criativamente, pensando no que faço. A quantidade de música incrível que vocês me deram eu espero um dia poder retribuir em algum nível. Amo o Brasil, realmente amo.”

It Is What It Is

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.