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'A Gaiola' retrata espírito revolucionário de juventude mexicana na década de 1960

José Revueltas concebeu o livro quando esteve preso na famosa e imponente penitenciária de Lecumberri

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Buenos Aires

Três personagens estão confinados na cela de isolamento de uma prisão. Uma cela de castigo. Ou seja, uma prisão dentro da prisão. Três personagens desesperançados em obter a liberdade e vivendo no limite do desespero. Assim estão Caralho, Albino e Polonio, os protagonistas de "A Gaiola", dando voltas em sua própria desgraça.

O único contato que têm com o lado de fora é um buraco em que é preciso meter a cabeça de um só lado, ou seja, só se pode enxergar com um olho. E a cabeça ali, descolada do corpo, lembra a passagem bíblica do martírio de são João Batista, com sua cabeça servida numa bandeja.

Criar esse universo, pelo visto, também foi uma experiência de desespero. Seu autor, o mexicano José Revueltas, concebeu o livro quando esteve preso na famosa e imponente penitenciária de Lecumberri, na Cidade do México. Construída na forma de um panóptico, em que, desde uma torre central era possível ver o interior de todas as celas, ficou conhecida por enlouquecer vários de seus prisioneiros.

A instabilidade política no México e as revoltas estudantis na década de 1960 resultaram no Massacre de Tlatelolco, em 2 de outubro de 1968, na Praça das Três Culturas, em Tlatelolco, Cidade do México, com cerca de 300 mortos.
A instabilidade política no México e as revoltas estudantis na década de 1960 resultaram no Massacre de Tlatelolco, em 2 de outubro de 1968, na Praça das Três Culturas, em Tlatelolco, Cidade do México, com cerca de 300 mortos. - France Presse- AFP

Ali Revueltas ficou encerrado entre 1968 e 1971, após ser condenado por conspirar e instigar estudantes envolvidos em manifestações que foram reprimidas, no famoso Massacre de Tlatelolco.

Ocorrido às vésperas das Jogos Olímpicos na Cidade do México, o episódio é um dos mais importantes marcos da história mexicana do século 20. Imbuídos do espírito revolucionário dos estudantes franceses do Maio de 1968, no mesmo ano, os jovens mexicanos saíram a protestar e foram brutalmente reprimidos pelo governo.

O episódio ganhou visibilidade internacional e houve repúdio de intelectuais em todo o mundo. Jean-Paul Sartre chegou a escrever ao presidente do país, Gustavo Díaz Ordaz, em tom de indignação. Díaz Ordaz ficaria marcado por isso, e mancharia também a imagem doPartido Revolucionário Institucional, o PRI, que governou o país por 70 anos.

O romance discorre numa narrativa algo barroca e bem trabalhada, embora provoque a sensação de ter sido escrita num transe delirante do autor. Com seus longos parágrafos com pouca pontuação, parece não querer deixar que o leitor respire. A claustrofobia da cela dentro da cela, ou da gaiola, é outro sentimento do autor que é imposto ao leitor.

O personagem mais extremo é Caralho, um sujeito que não enxerga de um olho, que apanha e que tenta se cortar, além de soltar seus gritos uivantes de tempos em tempos. É filho de uma mulher que se envergonha de sua existência, que o visita mas o deplora.

Polonio e Albino estão desesperados para conseguir algo de droga, e põem suas namoradas, que estão do lado de fora, nessa missão. Surgem essas duas personagens esquisitas, oportunistas e maliciosas, são Mecha e Chata.

Como passam por revistas íntimas ao visitar os parceiros, nas quais são tocadas de modo pouco apropriado, elas tentam convencer a mãe do Caralho, por ser mais velha e pouco atraente, a levar escondida a droga em sua vagina. Aí parece se cumprir sua desgraça –deu luz a um ser aberrante e agora, pela mesma via, leva drogas. Ao mesmo tempo, surge também como redenção dos prisioneiros, oferecendo um alívio para seu desespero ou até uma forma de saída de sua situação.

A Gaiola

  • Preço R$ 42 (64 págs.)
  • Autor José Revueltas
  • Editora Editora 34
  • Tradução Samuel Titán Jr.
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