Car Seat Headrest fecha a porta do quarto em disco que mira a música eletrônica

Famoso pelo rock caseiro, vocalista da banda veste máscara de gás para virar personagem 'estranho e alienígena'

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São Paulo

Durante a quarentena, Will Toledo tem estudado tutoriais de produção musical. “Queria viajar para tocar esse ano, e provavelmente não vai acontecer”, diz o vocalista e guitarrista do Car Seat Headrest. “Voltei ao modo estúdio, estudando para o próximo projeto, tentando ficar mais confortável com algumas coisas de produção.”

A banda de rock americana lança agora o álbum “Making a Door Less Open”, segundo de inéditas desde que o grupo assinou com o selo Matador, por votla de 2015. O disco representa uma mudança de direção na sonoridade do Car Seat Headrest —sai o rock energético e multifacetado, entram sintetizadores e batidas eletrônicas.

quatro pessoas e uma delas de laranja com uma máscara preta
A banda de rock americana Car Seat Headrest - Divulgação

“Making a Door Less Open”, diz Toledo, é parcialmente resultado desses tutoriais, acrescentando que o baterista Andrew Katz “vem dessa escola da EDM [electronic dance music]". "Ele estudou por dois ou três anos e começou a fazer as músicas que viriam a ser o começo disso. Ao mesmo tempo, eu estava tendo ideias minhas de composição, inspirado pelo sintetizador clássico, mais anos 1980, da cold wave.”

O novo disco também é resultado do tempo de turnê e convivência dos integrantes do Car Seat Headrest. Até 2016, quando lançou o aclamado “Teens of Denial”, a banda não fazia shows e era formada só por Will Toledo, que chegou a gravar e lançar na plataforma Bandcamp mais de dez discos lo-fi e independentes —todos escritos e gravados por ele mesmo, de sua casa na Califórnia— nos seis anos anteriores.

“Estávamos em turnê, com tempo entre os shows, e presos no mesmo cômodo. Então, era ele trabalhando nas músicas dele e todos nós vendo. Daí ele nos pôs em frente ao microfone para gravar qualquer coisa”, diz o vocalista. “Então, era uma música sendo criada ali por trás dos panos.”

Não por acaso, o disco se chama “Making a Door Less Open”, ou deixando a porta menos aberta, uma maneira educada de dizer que se está fechando um pouco a porta. Nesta nova fase, Toledo também está usando uma espécie de máscara de gás estilizada para se transformar no alter ego Trait.

“Não tinha certeza de como ia executar isso, mas no mundo da EDM existe toda uma cultura diferente de roupas, e as pessoas usando máscaras”, ele diz. “E elas conseguem ser mais anônimas, fazendo o show acontecer em torno delas. Eles estão lá, só que com uma coisa na cabeça.”

De certa forma, “Making a Door Less Open” é uma tentativa de despessoalização do Car Seat Headrest. Isso porque Toledo, publicamente, já discordou de como suas músicas foram tratadas, especialmente pela crítica, que via méritos em suas composições mais íntimas e costumava resumir a banda ao seu criador.

“Sou de fato um compositor, mas, em termos de subir ao palco, esse não é o modelo que eu quero. Esse de sentar num palco com um violão em frente a um monte de pessoas”, diz. “Prefiro tentar fazer algo mais teatral. E isso tudo acabou gerando meio que esse personagem, que tem essa energia colorida em torno dele, mas é estranho e alienígena ao mesmo tempo.”

Alternando rocks mais diretos, como o single “Hollywood”, com extensas faixas com levadas sintéticas, como “There Must Be More Than Blood”, a energia do Car Seat Headrest é mantida no novo disco, agora em uma nova embalagem. Músicas como “Can’t Cool Me Down”, fria e atmosférica, são sustentadas só por baixo, batidas e sintetizador, enquanto Toledo sobrepõe harmonias vocais.

Will Toledo, a founder of the indie rockers Car Seat Headrest, with the mask he wears on stage as his alter ego Trait Danger, in Bellevue, Wash., April 6, 2020. The masked persona was conceived months ago as a stunt, not a reaction to the coronavirus. "Now it just feels a lot more pointed in a way that I wasn?t planning on and don?t really take any pleasure in,? he said. (Grant Hindsley/The New York Times)
Will Toledo, da banda de rock americana Car Seat Headrest - NYT

“Um disco de rock, para mim, é algo que pega noções mais primárias de música, despe aquilo para uma fórmula mais básica —que é muito mais baseada na energia pessoal da performance”, diz Toledo. “Acho que fizemos um disco de pop rock, só não usamos tanta guitarra. Usamos ideias menos ortodoxas, e poderíamos até dar uma estrutura mais formal a elas, mas sinto que sacrificaria toda a energia das músicas.”

Criado principalmente por Toledo e Katz, “Making a Door Less Open” também tem uma ligação curiosa com um projeto paralelo da dupla, o 1 Trait Danger. O grupo fictício de música eletrônica criado por eles teve uma carreira curta, de só dois discos, mas, no segundo deles, o duo passa por uma situação paralela com a vida real.

Na primeira faixa de “1 Trait World Tour”, “Softmore Slump”, eles brincam sobre lançar um disco fracassado depois de um primeiro trabalho aclamado pela crítica. Não que “Making a Door Less Open” deva ter recepção ruim, mas esse era um dos desafios que Toledo enfrentava quando parou para compor o novo álbum.

"'Teens of Denial' impactou minha vida de muitas de maneiras. Quando eu tinha terminado as demos, a Matador se interessou pelo disco", diz o músico. "Foi de longe o maior disco que lançamos. E foi um processo difícil. Demorou um ano e meio para ser feito. Mas tive muito tempo para trabalhar nos bastidores, sem que ninguém ouvisse nada."

Ainda que “Teens of Denial” não tenha sido o primeiro álbum do Car Seat Headrest, foi o disco que lançou o grupo ao grande público. A banda até relançou “Twin Fantasy” —originalmente gravado na “fábrica caseira” de música de Toledo, e depois refeito em 2018—, mas se tratava de um relançamento.

Denso, “Teens of Denial” soava como o rock alternativo dos anos 1990 e 2000, de Pavement a Green Day, mas trazendo as letras solitárias e desiludidas para o presente. A primeira faixa do álbum de 2016, “Fill in the Bank”, era uma defesa hilária e irônica do direito à depressão. “Drugs with Friends” narrava uma viagem de drogas que deu errado.

Em “Making a Door Less Open”, Toledo não abandonou os vocais entediados e a tristeza de sua poesia, embora, na verdade, esteja tentando esconder isso.

“Tem coisas que me sinto estranho ao cantar”, ele diz. “Posso escrever algo pessoal e me sentir tranquilo, mas cantar isso toda noite, e em ambientes bem diferentes, é outra história. Então, é um processo duplo para mim, e esse é o equilíbrio que tento encontrar nos discos. Acho que o resultado é genuíno, porque quando canto, consigo me conectar com aquilo —e, paradoxalmente, isso significa mudar coisas o tempo inteiro.”

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