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Coronavírus faz dançarinos de tango pedirem ajuda a governo argentino

Bailarinos da cena local estão num limbo com a ausência dos turistas e proibição dos espetáculos de dança

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Buenos Aires

Ofelia Saavedra, 35, mostra um sapato vermelho de salto oito, com a ponta bastante gasta. “Sabe quanto tempo eu dancei com este daqui? Oito anos. Agora faz mais de 40 dias que não uso”, conta a bailarina, em seu apartamento, no bairro de San Telmo, em Buenos Aires, a quadras de onde dançava tango todos os domingos, na tradicional feirinha de rua que havia ali.

Atrás dela, há fotos que a mostram dançando com o mesmo sapato, uma num clube de tango local, outra dando aulas a um estrangeiro e várias na rua. “Consigo dançar sobre as ruas de pedra, acredita?"

"Sempre amei o tango, aprendi criança, minha mãe era bailarina”, conta. O resto da decoração da sala inclui discos de vinil e, obviamente, uma imagem do ídolo Carlos Gardel.

A cena do tango argentino é tão variada que inclui profissionais informais como Saavedra até refinadas orquestras, passando pelas milongas (festas tradicionais organizadas por clubes), as orquestras jovens (como a Fernández Fierro) que podiam reunir centenas de pessoas numa noite, e as casas de tango de distintos tamanhos (tanto para cantores em shows intimistas até salões para grupos de turistas). Além dos espaços dedicados a aulas de dança e de história deste gênero musical.

Tudo isso agora está suspenso. O tango, mais importante manifestação cultural da Argentina, está num limbo por causa da quarentena, que impede que qualquer formato desses eventos aconteça.

“Estamos cientes de que o tango vai ser uma das últimas coisas a se reativar depois da pandemia. Não dá para prescindir do contato íntimo ao dançar, muito menos do público para acompanhar os shows ou para frequentar as aulas. E nem me fale de dançar com luvas ou máscaras. Se for assim, é melhor não dançar”, conta a organizadora de milongas Liliana Furió.

“A única coisa que alguns estão fazendo hoje é oferecer aulas por videoconferência. Mas a maioria deles e do pessoal de produção dos espetáculos está sem trabalho”, conta.

Os bailarinos estão mobilizados e, por meio do Movimento dos Bailarinos de Tango, que reúne 400 trabalhadores informais, pedem que o governo direcione verbas que estavam reservadas a festivais internacionais de tango e que pressionem as casas que fecharam suas portas a pagar seus salários, mesmo que parcialmente. Entre os clubes de Buenos Aires, estão fechados o Madero Tango, o Bar Sur, a Esquina Homero Manzi, o La Ventana, o La Viruta e o La Catedral.

O secretário-geral do governo da Cidade de Buenos Aires, Fernando Straface, disse que “a retomada do turismo brasileiro é essencial". "É um dos nossos públicos principais. Lamentamos muito a situação sanitária do Brasil e esperamos que a pandemia seja superada e que os voos retornem”, diz. O governo da Argentina decretou que o país está fechado para voos comerciais até setembro, no mínimo.

Os espetáculos para estrangeiros costumavam render muito mais do que as milongas para moradores locais. Uma noite com jantar e show no Rojo Tango, por exemplo, em Puerto Madero, custava US$ 180. Já um baile para público local como a milonga La Viruta não passava de US$ 80, com comida, aula e sessão até o fim da noite.

“As milongas eram uma das únicas diversões de um público mais velho, e eles hoje são parte do grupo de risco”, diz Furió.

Segundo as secretarias de Cultura e Turismo da Argentina, o tango é um ramo que traz ao país US$ 2 milhões anuais. Mas não é só isso que entristece o cenário. O comerciante e cantor ocasional de tango Tomas Esper, 74, sente falta mesmo é de ouvir música ao vivo. “Tenho resgatado gravações antigas, escuto em casa, danço com minha mulher. Uma pessoa não pode se desfazer de sua essência. E o tango para mim é isso. Se não posso ir a uma milonga, danço em casa, em quarentena, mas está sendo complicado”, diz.

Segundo Furió, há coisas que podem ser feitas. “Hoje existem DJs de tango que têm distribuído ‘playlists’ a cada semana, especialmente para os fãs mais jovens de tango, que são muitos. Vamos ainda tentar promover algum festival online. É preciso se adaptar. Tampouco queremos que a atividade seja retomada de forma apressada e as pessoas adoeçam. Mas é triste, como um tango melancólico, o que está acontecendo”, diz.

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