Funk pelúcia seduz indies com músicas para transar e fazer coraçãozinho

Estilo indie recém-surgido vem se expandindo para agradar novos públicos além da internet

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São Paulo

“Funk de pelúcia é um ótimo nome”, diz o músico e produtor de videoclipes Julio Secchin ao tentar definir o gênero de algumas de suas canções. Com batidas dançantes e letras românticas, o cantor une diferentes influências, que vão de MPB ao funk, e ganha admiradores.

Foi o cavaquinho que fez a diferença, diz ele. “Caiu como uma luva, porque eu queria pôr melodias doces, mas que tivessem aquele grude.”

A mescla de funk com brega, arrocha, pop e outros gêneros musicais tem sido cada vez mais recorrente. Assim como Secchin, MC Tha também mistura funk com MPB e bebe na fontes de diferentes estilos nacionais. No álbum de sucesso “Rito de Passá”, lançado no ano passado, a cantora uniu o ritmo do funk à fé umbandista .

“É uma outra vertente em termos de letra, voz e melodia. Tento manter a célula rítmica percussiva [do funk], mas ao mesmo tempo falo sobre a minha própria vida, o meu próprio universo”, diz Secchin que, ao contrário de MC Tha, se define como “alguém que teve uma vida cercada de privilégios”.

O cantor conta que quando começou a compor tentou não reproduzir linguisticamente aquilo que já havia sido criado pelos funkeiros. Em “Bote”, por exemplo, transforma o termo “novinha”, muito usado em letras de funk, em “mar de colágeno”. Já em “Serasa do Amor”, a palavra aparece no verso “novinha veneno, o baile é pequeno demais para nós dois”.

Mas Julio Secchin e MC Tha não são os únicos a produzir o funk indie, como o estilo é conhecido na internet. Bandas como Biltre, Projeto Rivera e Lamparina e a Primavera também adotam o gênero.
“A ideia da batida surgiu naturalmente no violão”, diz Arthur Delamarque, guitarrista do grupo mineiro Lamparina e a Primavera. “Embora isso se destaque na música, há também outros ritmos para compor
as nossas referências estéticas.”

Já Vicente Coelho, do Biltre, diz que banda não seria capaz de produzir “funk raiz”, nem mesmo se quisesse. “É um ‘funk Nutella’. Ninguém pressupõe que é funk de verdade.”

Coelho diz ainda que o “estilo hipster” da Biltre, diferentemente do funk, não faz referências explícitas ao sexo e que a ideia é gerar ao ouvinte vontade de transar e, ao mesmo tempo, fazer um coração com as mãos.

Segundo Luísa Nascim, cantora da banda Luísa e os Alquimistas —que também mescla funk com outros estilos musicais, sobretudo nordestinos—, o gênero é um movimento da “cultura preta e periférica que agora está transbordando para todos os lados”.

Com a mistura, o resultado é uma sonoridade que se descola das periferias e das letras que refletem as realidades dos morros, dos bairros afastados e das populações mais pobres para se tornarem mais palatáveis ao que a classe média costuma ouvir e apreciar. Esse processo, na verdade, já vem acontecendo há alguns anos.

Atualmente, o funk conquista cada vez mais destaque no mainstream. Surgido há mais de três décadas, o estilo foi sofrendo mutações ao longo dos anos, mas mesmo com um apelo popular inegável, sempre teve pouca presença nos espaço mais tradicionais —a TV, o rádio, as grandes gravadoras.

O cenário foi se modificando especialmente ao longo da última década na internet, em espaços como o YouTube e o SoundCloud. Fenômenos de audiência como os vídeos de KondZilla e estrelas pop que vieram do funk, como Anitta e Ludmilla, turbinaram a presença do gênero nas rádios e nas festas de classe média.

Paralelamente à cena underground —que continua a todo vapor, longe dos holofotes—, a fatia mais ambiciosa da produção do funk sofreu um abrandamento da linguagem. As versões “light”, que trocam palavrões e expressões sexuais por termos mais abrasivos, contribuíram para o processo.
De certa forma, para o mercado, o funk ganhou um status de música pop que, na prática, já tinha há muito tempo. Mas o gênero nunca deixou de ser alvo de preconceitos.

Para Secchin, funkeiros com canções ligadas ao sexo ou à ostentação devem continuar a protagonizar o gênero —e diz lamentar quando vê seus próprios fãs criticarem tais artistas. Ele acumula algumas milhões de visualizações no YouTube e deseja lançar em breve seu segundo disco, feito durante o isolamento social.

Cantor Julio Secchin define suas canções como "funk de pelúcia"
Cantor Julio Secchin define suas canções como "funk de pelúcia" - Divulgação

“O funk indie não deveria ser visto como mais palatável. Deveria ser o contrário. Eu sou o convidado da festa, não o protagonista”, diz o músico, que acredita que o funk é a expressão cultural brasileira mais importante dos últimos 40 anos.

Para MC Carol, no entanto, funk não pode ser resumido a uma batida. “Isso não é funk não”, diz a cantora, que desde 2011 é um dos maiores nomes do gênero, autora de hits como “Meu Namorado é Mó Otário” e “Bateu Uma Onda Forte”.

Ao ouvir “Jovem”, de Secchin, Carol identifica semelhanças com o funk melody —vertente romântica popularizada por nomes como Claudinho & Buchecha—, mas isso, diz ela, não é o suficiente para enquadrar a canção neste estilo.

Para a MC, produções culturais de pessoas brancas e de classe média têm muito mais chances de serem aceitas socialmente. “Não sou contra nada. Vivo da arte, sou a favor dos artistas. Só acho complicado isso de excluir um para botar outro.”

“Você acha que o MC Orelha vai cantar no Faustão? Não, as pessoas não querem saber o que está acontecendo dentro das comunidades”, afirma Carol, citando o autor de “Faixa de Gaza”, hit proibidão que retrata o contexto violento das favelas e a vida no crime, incluindo citação a facções criminosas.

A funkeira diz que programas televisivos preferem convidar pessoas brancas para cantar o “Rap da Felicidade” em vez de chamar os autores da faixa, Cidinho e Doca.

De outra geração, a DJ IasminTurbininha, 23, concorda com Carol. “Pra mim, o funk é um só”, diz. Podem botar funk em pop, funk nisso, funk naquilo, mas o funk é uma coisa só. É o funk da atacabada, do tamborzão, do conga, do ‘tchu tchá tchá’.”

Segundo ela —uma das estrelas do 150 BPM carioca, que recentemente se apresentou em um festival online da rádio britânica NTS—, a inserção das batidas em músicas que nada têm a ver com o gênero é um resultado da maior visibilidade do funk atualmente.

“Como está sendo mais consumido, tentam fazer colaboração com funkeiro, botar o funk junto pra chamar atenção. Mas muitas pessoas que são do funk mesmo não têm a mesma oportunidade de outras pessoas que aparecem do nada, botam funk e têm as músicas mais ouvidas.”

Para Turbininha, o funk pode ser complementado com outras batidas e melodias, mas ele não é só estética. “É a comunidade, a batida, as pessoas”, diz, antes de soltar uma gargalhada: “Funk não é esse bagulho de pelúcia não.”

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