“A autobiografia de um poeta é sua poesia. Todo o resto não passa de uma nota de rodapé.” A citação, do poeta Yevgeny Yevtushenko, cai como uma luva no caso de Adília Lopes.
A obra da poeta, cronista e tradutora faz um jogo interessante de autobiografia, autoficção e heteronomia, já que Adília Lopes é uma invenção de Maria José da Silva Viana Fidalgo de Oliveira. O aspecto autobiográfico fica reforçado pela abundância de textos em forma de anedotas, entradas de diários, pequenos relatos de visitas a psicanalistas.
Uma parte de seus poemas retrata a atmosfera doméstica, com a poeta buscando o extraordinário escondido no ordinário, compartilhando o cotidiano iluminado pela percepção. É o que ocorre em “Dois Poemas sobre a Minha Rua”. “Nas grades/ pintadas de verde /do quartel /a glicínia /de flores lilases /encaracola.”
Em outros, a exploração do cotidiano cai numa banalidade travestida de concisão, como no poema “47 anos” (aqui na íntegra) —“Tagarelar com os amigos/ beber café /reler poemas /viver com os gatos”.
Um dos pontos fortes está na crítica à dita ditadura dos padrões de beleza. É o que acontece num dos bons momentos, “No More Tears”, inspirado em comercial de xampu. “Uma mãe lava a cabeça da outra/
e todas têm cabelos de crianças loiras/ para chorar não podemos usar mais shampoo.”
Considerada um dos principais nomes da poesia portuguesa recente, Lopes viu sua poesia começar a circular no Brasil no começo dos anos 2000. De lá para cá, passou a ser referência quase obrigatória no meio acadêmico e entre poetas, contando com vários seguidores e emuladores.
Mistério é saber o que muitos poetas e críticos viram de novidade, sui generis e originalidade em sua poesia.
Lopes trabalha, basicamente, com formatos e procedimentos que viraram arroz de festa na poesia brasileira desde o modernismo —o poema curto, o poema-piada, uso de linguagem coloquial, intertextualidade obsessiva e a citação. A busca pelo poema-piada resulta em soluções previsíveis, banais, mais afeita à poesia de Instagram.
É uma poesia irregular, coisa que nem mesmo a antologia, com poemas retirados de vários livros, conseguiu suavizar. Pretendendo ser uma amostra significativa, peca por não incluir ao menos um longo poema narrativo praticado pela autora. A seleção parece privilegiar o uso da apropriação,da citação e do pastiche.
A poesia adiliana acaba se tornando um sintoma do fenômeno que Paulo Henriques Brito observou no pós-lirismo da poesia atual, “onde o eu atrás dos poemas é, essencialmente, uma encruzilhada de textos”. É nessa encruzilhada que a poesia de Lopes se atira e, muitas vezes, naufraga.
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