Com preços em dólar, 1ª feira de arte virtual do Brasil mira público internacional

Criada no ínicio da pandemia, plataforma Not Cancelled chega ao país depois de rodar o mundo

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São Paulo

Depois da Art Basel Hong Kong, uma das primeiras feiras de arte suspensas por causa da pandemia do novo coronavírus, grandes eventos do tipo não demoraram a migrar para o meio virtual —da Frieze Nova York, realizada no mês passado, à Art Basel, na Suíça, que esta semana decidiu cancelar sua edição física.

O Brasil ainda não tinha, porém, uma feira do tipo para chamar de sua. A expectativa era de que a SP-Arte realizasse uma versão online nos próximos meses. Mas antes disso, aterrissou por aqui a Not Cancelled, com início nesta quarta (10).

A plataforma foi lançada no início da pandemia, na Áustria, pelo húngaro Istvan Szilagyi, à frente de uma agência de marketing e tecnologia. Em dois meses, teve versões em 11 países, entre eles a França, a Alemanha e os Emirados Árabes Unidos. Isso sem contar com as duas outras edições que acontecem junto com a brasileira, no Japão e na Rússia.

O objetivo, no início, era bem mais modesto, conta Szilagyi. Tirar do marasmo amigos galeristas, desnorteados e um tanto melancólicos com a interrupção das suas atividades por causa do coronavírus.

Ele conta que a plataforma funciona como uma feira, com data para começar e para terminar, porque assim consegue gerar expectativa. E é gratuita para a apresentação de até nove trabalhos. “As galerias maiores já tinham as suas salas de exposição virtuais, elas podem custear isso. Mas para um espaço pequeno ou médio que nunca investiu nisso, é complicado pagar um desenvolvedor, ainda mais nesse momento”, diz Szilagyi.

Se a gratuidade é um chamariz e tanto, o criador da plataforma afirma que ela só viajou tanto por causa da demanda dos próprios marchands. Afinal, são eles que acionam o Not Cancelled, em geral pelas redes sociais. Depois, basta um representante organizar uma lista de galerias interessadas e definir uma data.

Quem trouxe a iniciativa para o Brasil foi a galerista brasiliense Karla Osorio, que conseguiu reunir 56 casas de nove estados diferentes. Os participantes incluem desde espaços menores até algumas das maiores casas do país, como Luisa Strina, Nara Roesler e Fortes d’Aloia e Gabriel. E a adesão massiva fez com que uma semana, duração habitual da feira, fosse pouco —a Not Cancelled Brasil foi, então, estendida pelo próximo mês inteiro.

Além da exibição das obras, a plataforma ainda permite agregar a elas vídeos e até mesmo conferências do aplicativo Zoom. Mas, ao contrário das salas virtuais das feiras mais consolidadas, que obedecem à lógica espacial dos seus eventos físicos ao separar cada galeria num endereço diferente, aqui os trabalhos exibidos serão vistos num mesmo espaço, como num feed do Instagram, segundo Szilagyi.

Karla Osorio afirma que a estrutura ajuda a nivelar o meio de campo entre as galerias emergentes e as mais poderosas. “Elas estão trabalhando como colaboradoras, e não como concorrentes”, diz.

As expectativas de ambos os tipos de galeria não parecem diferir tanto em relação à Not Cancelled. Espaços estabelecidos e novatos devem exibir obras de preço médio, de no máximo US$ 20 mil e US$ 30 mil (em torno dos R$ 100 mil e R$ 150 mil) —a faixa em que mais há procura dos visitantes, diz Szilagyi, já que preços astronômicos não costumam funcionar na internet.

Grandes e pequenos também enxergam a feira como uma oportunidade de conquistar novos públicos, já que em torno de dois terços dos visitantes costumam ser de fora do país que preside o evento, segundo Szilagyi. Além disso, diz Karla Osorio, “a grande vantagem é que ela já surge internacional”.

Thomaz Pacheco, da OMA Galeria, diz que deseja conhecer colecionadores estrangeiros no evento, grupo ao qual tem acesso limitado por não participar de nenhuma feira internacional.

Os artistas que ele exibe na plataforma foram escolhidos pensando nisso. Com trabalhos que começam nos R$ 8.000 e vão até os R$ 120 mil, Andrey Rossi e Laerte Ramos têm passagens por museus e uma pesquisa de fundo acadêmico, além já terem participado de mostras e residências lá fora, fatores que costumam contar no mercado internacional.

Já Alexandre Roesler, sócio da galeria Nara Roesler, afirma que espera se deparar com visitantes diferentes daqueles que frequentam feiras globais como a Art Basel e a Frieze, ou mesmo a sua sede em Nova York. Ele conta ter gostado do recorte local da Not Cancelled.

Roesler exibirá na feira obras de Bruno Dunley e de Karin Lambrecht, acompanhadas de vídeos com os artistas e até mesmo fotografias da exposição montada na galeria. “Não estou com grandes expectativas, mas acho que será interessante, e pode gerar surpresas”, ele diz.

Roesler diz achar que feiras online devem continuar no futuro imediato, já que ao fim da pandemia é esperado que as viagens sofram muitas restrições. Assim, ele afirma, mesmo que os eventos físicos sejam retomados, tanto as salas de exibição virtuais quanto as atividades junto ao público nas redes sociais devem acontecer em paralelo a eles.

Além disso, afirma Thomaz Pacheco, para o mercado, se acostumar a esse ambiente também é estar preparado para os millennials, que prometem dominar a cena de arte nos próximos anos —hoje, mais de 60% dos colecionadores pertencem à geração anterior, X, segundo o relatório mais recente da Art Basel.

Já Szilagyi diz que, apesar de a sua agência estar pronta para ajudar as galerias a fazer essa transição para o digital, inclusive oferecendo um serviço de salas de exposições virtuais para os sites das galerias, ele não tem planos para a Not Cancelled depois da pandemia.

Até porque, quando as mostras pelo mundo deixarem de ser canceladas, “teríamos que repensar nosso nome, também”, ele afirma, bem-humorado.

Not Cancelled

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