D-edge ainda é destaque na noite paulistana, apesar de racha na cena eletrônica

Clube criado pelo DJ e empresário Renato Ratier completa 20 anos, marcados por sucesso e brigas polêmicas

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São Paulo

Na noite de 22 de abril de 2003, uma grande caixa preta com iluminação de LED nas paredes e sistema de som de alta qualidade abria as portas para o público na alameda Olga, rua pacata da Barra Funda.

Era a encarnação paulistana do D-edge, clube de música eletrônica que havia surgido três anos antes em Campo Grande pelas mãos do empresário e DJ Renato Ratier, e que chegava à cidade num momento de maturidade do mercado de dance music, impulsionado pelo boom do gênero na segunda metade da década de 1990.

Nos anos seguintes, a pista de dança desenhada pelo carioca Muti Randolph poria o Brasil, a um só tempo, nas principais revistas de decoração e nas listas de melhores baladas de música eletrônica do mundo, impulsionada pelo reconhecimento dos DJs internacionais que se apresentavam na casa.

Agora, no 20º aniversário da marca, ícones do techno como a produtora alemã Ellen Allien vem a público parabenizar o clube. Os toca-discos do D-edge também foram fundamentais na formação de DJs locais que mais tarde mudariam a cara da noite paulistana ao produzirem festas em galpões industriais e espaços abandonados.

Mas nem tudo é fervo nesta história. Em meados da década de 2010, Ratier se envolveu em uma discussão pública com coletivos independentes, sobretudo a festa Mamba Negra, o que acabou por prejudicar a imagem do clube entre parte de seus antigos frequentadores, causando um racha na cena eletrônica que perdura até hoje.

Como o rosto mais conhecido da Anep —Associação da Noite e do Entretenimento Paulistano—, o empresário passou a reivindicar, junto à prefeitura, que eventos realizados na rua ou em galpões passassem a ter alvará de funcionamento, para que atuassem em pé de igualdade com casas noturnas estabelecidas.

Em 2017, quando fez quatro anos, a Mamba Negra organizou um protesto com um trio elétrico na frente do D-edge, ironizando os requisitos necessários para se obter um alvará. "Saída de segurança e rota de escape segura. Saída de emergência, escadas largas e espaçosas. Você tem, Renato?”, dizia Laura Diaz, uma das produtoras da Mamba Negra.

Segundo reportagem da Vice publicada à época, também estavam na manifestação o fundador da festa Carlos Capslock, Paulo Tessuto, e um dos sócios da festa ODD, Pedro Zopelar —ambos ex-residentes do D-edge.

“Esses grupos [independentes] estão fazendo um trabalho pela música, também. Quando falei que era complicado, porque [como clube] nós temos muitas regras a cumprir, a gente tem alvará, a gente pagava os impostos, muitas pessoas desses grupos —que inclusive trabalhavam comigo, tocavam no D-edge, eram muitos deles meus amigos pessoais— tomaram isso [as festas] como se fosse uma coisa que eu tivesse querendo abolir, que eu estava contra”, afirma Ratier.

“Eu não estava contra as festas, não sou contra as festas, me acho uma pessoa aberta. A única coisa que eu quis dizer é que era difícil, não só comigo mas com todos os clubes. É injusto, pois a maioria das festas na época eram, entre aspas, ilegais. E agora acho que eles estão legalizados.”
Depois de uma série de reuniões da Anep com o poder público, a questão dos alvarás para todos nunca foi resolvida.

Controvérsias à parte, o D-edge acelerou o profissionalismo na noite paulistana nos primeiros anos do século 21 e cutucou positivamente baladas estabelecidas à época, como a histórica Lov.e, afirma a crítica de música eletrônica Claudia Assef.

“O Renato Ratier tem um nível de exigência muito grande, ele elevou a barra do que a gente estava acostumado, com uma programação que não tinha como competir”, diz ela. O clube chegava a trazer cinco DJs internacionais por semana, incluindo estrelas no auge da carreira —como Richie Hawtin, Jeff Mills, Matthew Dear e Ricardo Villalobos—, enquanto dava espaço para talentos brasileiros novos e veteranos, dentre os quais DJs de rock e hip hop.

Filho de um grande fazendeiro, Ratier trabalhou nos negócios da família em Mato Grosso do Sul nos anos 1990 e cursou parte das faculdades de zootecnia e de direito antes de optar pelo entretenimento. Seu amor pela noite, pela música e pela moda desabrochou quando morou nos Estados Unidos em meados daquela década. Lá, o fã de disco music descobriu as baladas de Los Angeles e as raves de Nova York, além de pegar a ponte aérea para a Europa para curtir noitadas em Ibiza com alguma frequência.

Ao voltar para o Brasil, em 1996, começou a produzir noites de música eletrônica na sua casa, em Campo Grande, abriu uma confecção num hangar onde seu pai tinha um escritório e lançou um fanzine com um amigo publicitário.

O então jovem tatuado e de cabelo colorido sofreu certa resistência. “Minha família trabalha com agronegócio, eles queriam que eu seguisse esse caminho. Moda, noite, meu pai ficava assim, isso não é para você”, conta. Como seus eventos bombavam, passou a produzir festas maiores, chegando a reunir 10 mil pessoas em uma balada na estação ferroviária da cidade, em 1997.

O próximo passo era abrir um clube, sonho de adolescente que realizou ao inaugurar o D-edge em Campo Grande, em 2000, com projeto também assinado por Muti Randolph. Por lá se apresentaram DJs como Mark Farina e Luke Solomon, tornando referência nacional uma casa noturna de música eletrônica fincada em uma cidade sertaneja.

Em paralelo, Ratier tocava como DJ em São Paulo toda semana, o que lhe abriu portas para comprar a antiga boate Stereo, na Barra Funda, e transformar o espaço na D-edge paulistana. Quando inaugurou a casa, já tinha uma imagem estabelecida no meio –ele entendia de música, “não era um caipirão, um fazendeirão que não manjava nada”, acrescenta Assef.

Mais de 2.000 DJs internacionais passaram pelas cabines das casas de Campo Grande (fechada em 2005) e São Paulo, e pelos festivais que o D-edge promoveu.

A marca cresceu e atualmente se desdobra também em uma agência de DJs, um selo musical e uma escola de discotecagem. Estão nos planos a inauguração de uma unidade carioca —que teve as obras, em estado avançado, suspensas pela pandemia— e um espaço de 800 metros quadrados em São Paulo, com loja de vinil, estúdio de tatuagem, barbearia e salão para eventos.

Ratier, hoje com 48 anos, tem ainda uma confecção que leva seu nome e é sócio de um clube em Berlim. Ao todo, emprega cerca de 200 funcionários.

Se por um lado o D-edge alienou parte de seu público nos últimos anos, por outro, encontrou um novo, no momento em que completa duas décadas, marca raramente atingida por casas noturnas.

Frequentadores da antiga noite de rock de segunda migraram para a Moving, que toca diversas vertentes da eletrônica toda quinta, afirma Ratier. Ainda segundo ele, no ano passado o clube teve um salto de 25% no número de frequentadores, divididos nas três noites de funcionamento. O crescimento veio após uma queda na frequência devido à divisão de clientes com as festas independentes.

Diante deste cenário, o imbróglio com os coletivos parece ter virado história. O empresário afirma que este momento passou e que o tempo se encarregou de mostrar que ele “não tinha nada pessoal contra ninguém”.

“As pessoas têm que se divertir, se elas gostam de vir aqui, aí elas têm que ir onde elas querem. O D-edge está de portas abertas para todo mundo."

O clube D-edge em números

  • 790 metros de iluminação LED multicor
  • 40 metros de painel de LED de alta definição
  • 4 andares (2 pistas, 1 lounge e 1 terraço)
  • capacidade para mil pessoas
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