Descrição de chapéu The New York Times

Derrubadas em protestos antirracismo, estátuas têm destino indefinido

Monumentos criticados por manifestantes ficam à beira da incerteza e especialistas estudam o que fazer

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Nina Siegal
The New York Times

Guido Gryseels vem recebendo telefonemas há uma semana, consultas sobre se ele estaria disposto a oferecer uma nova casa a algumas estátuas. Ele é diretor do Museu da África em Tervuren, na Bélgica, e sua instituição, originalmente fundada pelo rei Leopoldo 2º, poderia parecer o destino lógico para monumentos ao rei do século 19 cujo domínio do Congo resultou na morte e mutilação de pelo menos 10 milhões de africanos.

Ele trata as ofertas com hesitação. Depois que manifestantes derramaram tinta sobre uma estátua de Leopoldo 2º na cidade de Antuérpia e em seguida atearam fogo a ela, duas semanas atrás, outras estátuas de Leopoldo foram vandalizadas e uma petição pela remoção de todos os monumentos ao rei existentes na Bélgica atraiu mais de 78 mil assinaturas.

Gryseels estima que existam cerca de 300 a 400 deles e está preocupado com a ideia de transformar seu museu, que nos últimos anos vem tentando deslindar suas conexões com a era colonial, em um cemitério de Leopoldos.

“Eu talvez possa receber algumas dessas estátuas, e transformá-las em uma forma de arte contemporânea”, disse Gryseels em entrevista. “Mas não quero ter o efeito oposto e fazer do museu um lugar em que os admiradores de Leopoldo venham para rezar.”

Desde 7 de junho, quando uma estátua do negociante de escravos britânico Edward Colston foi derrubada de seu pedestal e lançada ao mar em Bristol, no Reino Unido, dezenas de estátuas de figuras históricas associadas ao colonialismo e à escravatura foram derrubadas, decapitadas, incendiadas ou removidas de seus pedestais –no Reino Unido, na Bélgica, na Nova Zelândia e nos Estados Unidos.

À medida que estátuas caem em todo o mundo, em revolta simbólica contra uma história de colonialismo e escravidão, líderes de pequenas e grandes cidades, dirigentes de museus e historiadores estão se vendo diante desses monumentos derrubados e se perguntam o que fazer agora.

Será que as estátuas devem ser limpadas e transferidas à segurança de um museu? As cicatrizes deixadas pelos ataques devem ser reparadas ou mantidas? Ou deveríamos produzir novas obras de arte com base nas peças danificadas?

As respostas a essas perguntas terão impacto na maneira pela qual futuras gerações lembrarão tanto a história que as estátuas foram designadas para representar quanto o momento atual.

Julian Maxwell Hayter, professor associado na Universidade de Richmond, no estado americano da Virgínia (onde manifestantes atacaram um monumento ao general confederado Robert Lee), disse que é crucial que aproveitemos o momento para discutir o que essas estátuas representam.

“Seria perder uma oportunidade, que não discutamos o que essas estátuas representavam, e como aquilo que elas representam ressoa profundamente no presente”, ele disse em entrevista.

“Isso pode ser feito de todo tipo de maneira. Elas podem ser deixadas onde estão, mas acompanhadas por novas placas; podem ser parte de alguma forma de recriação artística; podemos pedir que artistas as refaçam. O objetivo final seria contar uma história que vá além do endeusamento dessas figuras.”

O artista britânico Hew Locke vem batalhando há décadas para que as estátuas da era colonial recebam acréscimos que chamem a atenção para suas histórias problemáticas. Em sua série “Natives and Colonials”, ele propôs pintar estátuas de Oliver Cromwell e do capitão Cook em cores brilhantes e, em outra série, “Patriots”, ele criou ornamentações grotescas para enfeitar estátuas de Cristóvão Colombo e Colston.

Mas tudo que ele fez a essas esculturas até o momento se limita ao terreno da fantasia –as alterações só existem em suas obras de arte.

“Há anos sou da opinião que precisamos manter essas coisas, mas também precisamos falar sobre elas”, disse em uma entrevista. “Se você as remove, elas se vão e não há sobre o que discutir.”

Mas agora que elas foram vandalizadas e destronadas, Locke gostaria de ver essas estátuas em exibição de novo, disse ele, posicionadas de forma a deixar visíveis as marcas dos ataques.

“A tinta não deveria ser removida com o objetivo de fazer das estátuas peças perfeitas de museu”, afirmou. “Elas deveriam ser exibidas recobertas de tinta, de marcas de queimadura, porque isso agora é parte de sua história.”

Ele acrescentou que também gostava da ideia de derreter as estátuas de bronze e fazer delas moedas comemorativas que seriam distribuídas aos moradores da cidade que um dia as abrigaram.

Existe precedente para a ideia, segundo Claudine van Hensbergen, professora associada da Universidade de Northumbria, no Reino Unido, que estuda estátuas públicas. Ela disse que em 1688, depois que uma multidão furiosa derrubou uma estátua equestre do rei James 2º, que terminou deposto, na cidade britânica de Newcastle, a peça foi recuperada, derretida e seu metal usado na igreja de Todos os Santos.

“A estátua foi derrubada por causa de suas associações com o catolicismo e foi convertida em sinos para uma igreja anglicana”, disse ela. “Foi um ato político, na verdade, com um imenso significado simbólico.”​

Autoridades de Bristol ordenaram a retirada da estátua de Colston da água, o que já aconteceu, e Marvin Rees, o prefeito da cidade, anunciou que ela seria colocada em um museu. Mas o que os museus devem fazer com as estátuas quando as receberem?

“Não creio que a decisão cabe a nós, dirigentes de museus”, disse Taco Dibbits, diretor do Rijksmuseum, o museu nacional da Holanda, em Amsterdã. “Esse é um apelo das comunidades que não foi ouvido, e não cabe a um museu dizer às pessoas o que fazer. Deveríamos escutar.”

Dibbits disse que uma maneira possível de lidar com uma estátua problemática seria lhe dar o mesmo tratamento conferido à efígie em bronze de Kwame Nkrumah, antigo presidente de Gana. Uma estátua dele foi decapitada durante um golpe militar em 1966, e mais tarde a cabeça foi posicionada ao lado do corpo em um pedestal, com uma placa explicando o acontecido. Dibbits afirma que essa é uma forma de ao mesmo tempo apresentar a história do regime de Nkrumah e a da revolução que o removeu.

Outra opção, de acordo com Valika Smeulders, que dirige o departamento de história do Rijksmuseum, seria reunir diversas das estátuas derrubadas em um só lugar, por exemplo um parque, como alguns países que foram parte da União Soviética fizeram com imagens de Stálin e Lênin.

“Teríamos de colocá-las, como foi feito na União Soviética, não no centro da cidade, mas em algum lugar mais distante”, disse ela. “Acho que dessa forma a mensagem seria a que aquilo não é algo que as pessoas queiram no centro de sua cidade, mas aquele período da história existiu e podemos contemplá-lo agora, e a loucura da era se torna realmente clara.”

Estátuas derrubadas significam pedestais vazios, acrescentou Smeulders. Agora também precisamos pensar no que deveria ocupar essas bases.

Cedar Lewisohn, artista e curador do Southbank Centre, em Londres, e membro da organização Museu Detox, que trabalha em defesa das pessoas não brancas no mundo da arte, disse que agora existia uma chance de pensar sobre quem escolhe o que será valorizado.

“Veremos algumas respostas contemporâneas, com certeza, a esses vazios que foram criados”, disse ele. “Haverá encomendas de peças contemporâneas para substituir essas coisas. Essas escolhas terão de ser muito cuidadosas e consideradas –e esperemos que o resultado seja melhor do que aquilo que elas estarão substituindo.”

Tradução de Paulo Migliacci

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