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Documentário de Caco Ciocler faz sumir aquela vontade de voltar ao bar

Assistir à 'Partida' em meio à pandemia traz sensação de déjà-vu e acende perigoso desejo de seguir bebendo sozinha

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Partida

Imagine uma mesa de bar na calçada cheia de cascos de cerveja vazios. Imaginou? Deu saudades, né?

Agora imagine que você está com aqueles seus amigos, colegas de trabalho ou conhecidos distantes da sua prima universitária que adoram discutir política e que lá pelas tantas passam a gritar uns com os outros falando sobre a prisão de políticos, o descaso com o proletariado ou as injustiças da última eleição. Imaginou?

Agora imagine viajar num ônibus com esse pessoal da mesa, de São Paulo ao Uruguai, no calor de dezembro. Já sumiu a saudade daquele bar?

A comparação vem à mente ao assistir a “Partida”, documentário de Caco Ciocler que estreia nesta quinta no drive-in instalado no Memorial da América Latina.

Caco Ciocler aparece nas filmagens de seu segundo documentário, "Partida"
Caco Ciocler aparece nas filmagens de seu segundo documentário, "Partida" - Divulgação

O ator, em seu segundo documentário, acompanha um grupo de pessoas que, nos últimos dias de 2018, após a eleição de Jair Bolsonaro à Presidência, viaja para encontrar, na virada do ano, o ex-presidente uruguaio José Mujica. Há uma pausa no acampamento de apoio a Lula, então preso em Curitiba, diante da unidade da Polícia Federal da capital paranaense.

A líder da trupe é a maravilhosa atriz e diretora de teatro Georgette Fadel, que resolve se candidatar às próximas eleições, em 2022, segundo ela, como reação à vitória do fascismo. Seu antípoda é o ator e empresário Léo Steinbruch, aquele conservador que, no bar, ninguém entende por que foi convidado, mas que, no filme, desempenha o papel de ser a voz dissonante que questiona as posições de esquerda de Fadel.

Cena de "Partida" (2019), de Caco Ciocler
Cena do documentário, "Partida", de Caco Ciocler - Divulgação

Entre os papéis da narrativa criada para o microcosmo daquele ônibus há ainda a criança, representando a esperança, a fofura e, muitas vezes, um certo alívio em meio à verborragia, a terapeuta, que opera nos quartos de hotéis das paradas como uma abertura à autocrítica dos personagens principais, e a musa, a atriz Sarah Lessa, jovem que, ao despertar sentimentos ternos em Fadel, consegue promover algum tremor em suas crenças ferrenhas.

Há ainda Ciocler e os outros responsáveis por filmar e dirigir --além do motorista, claro-- o grupo de modo que o espectador tenha uma pequena confusão entre o que é real e o que é encenado. Pequena porque isso não impacta muito o conteúdo do filme e porque Eduardo Coutinho já pisou sobre a Terra.

Talvez no final de 2018 muito do que está nas discussões de Fadel parecesse surpreendente ou capaz de riscar faíscas de esperanças por aí. Em 2020, no meio da crise política e de uma pandemia, depois de meses de discursos extremos num país cindido, a sensação é de déjà-vu e acende uma perigosa vontade de seguir em casa bebendo sozinha.

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