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Mangá usa o absurdo para satirizar vida de uma cuidadora de idosos

Livro reúne histórias bizarras e fantásticas de profissional valente lidando com a terceira idade

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Dementia 21

  • Preço R$ 69,90 (280 págs.; ebook: R$ 39,90)
  • Autor Shintaro Kago
  • Editora Todavia
  • Tradução Drik Sada

A cuidadora Yukie nota algo estranho. Pequenos objetos somem à volta de dona Kazue, a idosa pela qual é responsável. Feijões, sementes, o besouro de estimação da sua nora. Onde foram parar?

Enquanto dá banho na idosa, Yukie encontra as sementes, botões, remédios e até uma infestação de besouros. Estão entre as pelancas de dona Kazue.

Chama a dedetização. Eles encontram canetas, chaves, moedas, colares e até uma nova espécie de aranha entre as pelancas. E uma mão. Eles puxam. Era o marido de dona Kazue, que estava desaparecido!

A nora tem ideias. Leva a sogra para a farmácia e usa as pelancas para roubar produtos de beleza. A nora se dá conta que tem como lucrar ainda mais –usando a sogra e suas pelancas para fazer contrabando de drogas!

Quando a investida no narcotráfico acaba em morte, as pelancas servem para esconder os corpos. E ainda nem chegamos a dez páginas deste conto de "Dementia 21", do japonês Shintaro Kago.

Página do mangá 'Demência 2', de Shintaro Kago - Divulgação

A premissa dos 17 contos da coleção é a mesma –a jovem cuidadora Yukie é encarregada de um novo idoso e, apesar de ser uma moça valente, o desafio é sempre maior ou mais absurdo do que o esperado.

Uma das cuidadas de Yukie faz cada coisa do mundo desaparecer conforme esquece que elas existem, apresentadores de TV, cachorros, implantes de silicone. Outra é uma mulher obcecada pelas rugas que, ao usar um creme mágico, provoca uma invasão de rugas na cidade.

Há também uma disputa entre cuidadoras na selva, estilo "No Limite", e a nova civilização que surge na Gokuraku-en, uma casa de repouso feita de quartos autossuficientes em módulos, sem comunicação e empilhados até o infinito.

Cada conto segue a mesma progressão geométrica, como em um sonho em que você aceita uma decorrência absurda atrás da outra, como a de uma velha maníaca por limpeza cujo dedo acha desde partículas de pó nos móveis até corrupção nos políticos japoneses.

Shintaro Kago é identificado na edição como expoente do "ero guro nansensu", gênero que tem histórico quase centenário no Japão. O autor prefere se identificar como "kisou mangaka", ou quadrinista do bizarro.

Produzindo quadrinhos desde os anos 1980, Kago aportou no ocidente via internet, em traduções piratas como da famosa “Abstraction” —conto erótico em que as próprias páginas da HQ começam a girar, cubisticamente, e confundir os personagens.

Hoje suas ilustrações e pequenas animações se difundem por Instagram e TikTok. Fora perversões sexuais e aulas de anatomia bizarra, o autor é chegado em escatologia. Provavelmente daria um sorriso ao descobrir o que se ouve em português ao pronunciar seu sobrenome.

Perto deste material que circula pela rede, "Dementia 21" é Kago comportado. Criadas originalmente para uma revista digital, as HQs têm desenho simplificado, como de um manual ou cartilha. O contraste é positivo. Na surrealidade das tramas, o desenho técnico e econômico representa o banal e como o banal é invadido pelo surreal.

Há um outro nível de banalidade, que é a questão real do envelhecimento da população no Japão. O país tem a segunda maior expectativa de vida do mundo, 85 anos, e um terço dos japoneses tem mais de 60 anos. A demanda por cuidados com idosos já cruzou inclusive outro bom mangá publicado recentemente no Brasil, "Virgem Depois dos 30", de Atsuhiko Nakamura e Bargain Sakurachi.

Frente a esta pauta frequente no cotidiano japonês, Kago responde com a comédia do absurdo. Não vá ter medo do rombo na Previdência nem de ter que sustentar seus pais, sogros e sogras. Os velhinhos são muito mais perigosos.

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