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Artes Cênicas

Maria Alice Vergueiro parecia ter atração pelo que é exilado, maldito

Para colega, atriz 'não era só transgressora, ela transformava quem estava perto'

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Para além do “Tapa na Pantera” e das encenações brasileiras históricas de Shakespeare a Molière e Brecht, havia uma Maria Alice Vergueiro que muito poucos viam.

Poucos, por exemplo, estavam lá quando ela fez apresentações de madrugada no Madame Satã, uma casa noturna dos anos 1980 em São Paulo, ao lado da também atriz Magali Biff, então iniciante. O título era “A Pororoca” e as duas dividiam uma rede, indo além das palavras ao tratar de sexo, dirigidas por Luiz Roberto Galizia.

Biff recorda que já então ela se batia para “o artista se colocar como ser político”, ele próprio, no palco. Muito emocionada com a morte, diz que Maria Alice foi fundamental para a sua vida, tanto em cena como no aspecto pessoal.

Na entrada da década de 1990, outro ponto de inflexão de Vergueiro foi uma versão de “Medea” que mostrou só em Cádiz, na Espanha, costurando Sêneca, Eurípides e o Cântico dos Cânticos, em que urinava em cena e se masturbava ao lado da diretora e atriz Christiane Tricerri.

Ricardo Fernandes, que trabalhou com ela na montagem, lembra de Vergueiro em cena como “o retrato da mulher exilada de si mesma”. Também ele diz que ela o fez permanecer no teatro, como produtor, a partir dali.

Essas foram duas passagens suas que não explodiram para o grande público, diferentes de outras que se tornaram populares, mas não porque tivesse contido a transgressão. De família paulista tradicional, parecia ter atração pelo que é exilado, maldito.

Quando se juntou a Zé Celso nos anos 1970, como ela mesma dizia, o Oficina em alguns momentos parecia se resumir aos dois. Entre idas e vindas, por duas décadas, inclusive passagens no exterior, ficou ao lado dele até perceber que o diretor não estava mais sozinho, podia prescindir dela.

Na virada para os anos 1980, trabalhou com Catherine Hirsch, diretora francesa daquele que foi um dos primeiros trabalhos em que evidenciou a marca própria, de impacto sobre o público, “O Lírio do Inferno”, com canções de Brecht e Kurt Weill.

De espartilho, fazia teatro político, mas já de uma política do corpo. Ao longo da década seguinte, foi só uma boca iluminada no palco em “Eu Não”, parte de “Katastrophé”, de Samuel Becket, dirigida por Rubens Rusche, e se arriscou no que mais passou pela frente.

Uma de suas atuações mais lembradas —e premiadas— foi em “No Alvo”, de Thomas Bernhard, como a mãe cruel que abre a apresentação com uma proclamação contra o teatro.

“Já não amamos o teatro, só fingimos amá-lo”, dizia. “Nós o odiamos. Odiamos Shakespeare e odiamos a nós mesmos quando entramos.”

A atriz Agnes Zuliani, que fazia sua filha e alvo principal na peça, também diz que a experiência a fez mudar, porque Vergueiro, que não se detinha por nada no que buscava, “não era só transgressora, ela transformava quem estava perto”.

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