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Regina Casé volta ao papel de empregada e trabalha para preso da Lava Jato em filme

'Três Verões' teve o lançamento adiado por causa da pandemia de coronavírus, mas tem exibição em festival online

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São Paulo

Regina Casé contorna a piscina de uma casa gigantesca, veste roupas simples e põe em ordem aquele ambiente luxuoso no qual não parece se encaixar muito bem.

A cena poderia estar em “Que Horas Ela Volta?”, drama de Anna Muylaert que estrelou em 2015 e que tem uma piscina no centro de seu momento mais catártico. Ou na novela “Amor de Mãe”, da Globo, também com a atriz. Mas a cena é do novo “Três Verões”.

Programado a princípio para chegar aos cinemas em março, o longa dirigido por Sandra Kogut foi abatido pela pandemia do novo coronavírus, que obrigou salas de cinema do país a fechar as portas poucos dias antes de sua estreia.

Agora, ele finalmente pode ser visto pelo público num festival de pré-estreias organizado pelo Espaço Itaú de Cinema, que exibe os títulos por streaming. “Três Verões” fica disponível nesta semana, mas a programação se estende até o dia 29 de junho.

O drama de Kogut acompanha Madá, caseira interpretada por Casé e chefe dos empregados de um empresário envolvido na Lava Jato. Quando ele vai preso, o filho está estudando no exterior e sua mulher some do mapa. Resta à personagem manter o palacete em ordem, mesmo sem os recursos necessários para isso.

No meio das adversidades, ela ainda precisa cuidar do pai do patrão, um ex-professor deixado para trás quando o imóvel foi esvaziado.

Mesmo com vários pontos de contato, a personagem não pode ser resumida a uma nova versão de Val, a empregada de “Que Horas Ela Volta?”. Pelo menos é o que Casé sustenta.

Suas personagens, incluída aí a Lurdes de “Amor de Mãe”, que também teve a transmissão interrompida pela pandemia, podem estar todas à margem da sociedade, mas têm personalidades, dificuldades e anseios diferentes.

Em entrevista feita poucos dias antes da estreia planejada de “Três Verões”, em março, Casé se mostrava animada com o filme e o trabalho no folhetim da Globo. “Agora estou treinando isso, tem que cumprimentar assim, olha”, disse ao repórter, indicando o cotovelo. Mal sabíamos na época que o coronavírus atropelaria os rumos de todos.

“Cada vez que faço uma mulher pobre, do povo, as pessoas acham que vai ser o mesmo papel, como se cada mulher rica fosse um indivíduo, mas todas as pobres fossem uma massa uniforme que está ali só para dizer que o café está na mesa”, disse Casé.

A afinidade com essas mulheres ela credita ao trabalho como apresentadora à frente dos programas “Brasil Legal” e “Central da Periferia”, exibidos nos anos 1990 e 2000. “Fiquei esses anos todos indo na casa da Madá, da Lurdes. Esse trabalho como apresentadora serviu como um laboratório, para eu me aprofundar na realidade dessas pessoas”, diz.

Kogut, que dirigiu e roteirizou o drama ao lado de Iana Cossoy Paro, também tenta reforçar as diferenças entre a tríade de mulheres interpretadas por Casé e formadas por Madá, Val e Lurdes.

“Em ‘Que Horas Ela Volta?’ a Regina fazia uma empregada submissa, enquanto em ‘Três Verões’ ela é a patroa dos empregados e transita entre os dois mundos, o que dialoga muito com o Brasil de hoje, um país onde todo mundo quer ser patrão”, afirma.

Mesmo retratando um período turbulento da política brasileira, a história nunca alça a Lava Jato e seus personagens ao primeiro plano. A câmera, ao contrário, busca aqueles indiretamente envolvidos no imbróglio.

“Quando decidi fazer o filme, os escândalos de corrupção estavam tomando tanto espaço que era até difícil fazer ficção. Tive vontade de falar sobre aquele momento do Brasil e saber o que acontece com quem está em volta desses ricos que vão presos”, afirma Kogut.

Enquanto fica evidente o contraste e a dicotomia entre a humildade de Madá e a ostentação de seu patrão, entre a escolha entre tomar o caminho mais difícil e o atalho que fere a moral, ganha peso na trama um terceiro elemento.

Lira, o pai do patrão, serve na narrativa como uma espécie de “reserva moral”, segundo diz a diretora. Professor, ele se mostra desapontado —ou até dilacerado— ao saber das picaretagens do filho.

No que é provavelmente a cena mais tocante de “Três Verões”, o personagem vivido por Rogério Fróes desabafa para Madá, “eu, professor, eduquei tanta gente e não soube educar meu próprio filho”.

Segundo Casé, a relação que sua personagem estabelece com o pai do patrão preso é um dos pontos altos da trama. “Acho linda essa relação dos dois. A Madá não teve acesso a nenhuma daquelas ferramentas que ele teve, aos livros que ele leu, às escolas que frequentou, mas eles conversam de igual para igual. Eles representam essa necessidade de construir pontes, não muros.”

É alternando momentos de delicadeza com certo humor que Casé tenta transmitir na atuação essa mensagem. Quando não está consolando alguém ou lidando com as dificuldades financeiras, Madá se diverte com os outros empregados e tira sarro da fragilidade do império construído pelo dono do lugar.

“No Brasil existem muito mais empregadas do que patroas. Se quiséssemos de fato representar o país, quase todas as atrizes deveriam estar fazendo empregadas. Acho até que eu estou interpretando pouco”, brinca.

“Valorizo muito a comédia, porque ela toca tanto quanto um choro. Quando conseguimos misturar comédia e tragédia, dois elementos presentes na vida dessas mulheres, geramos uma faísca, uma coisa bonita, e é isso o que eu busco”, acrescenta Casé.

Três Verões

  • Quando Disponível nesta segunda (22) e terça-feira (23) em itaucinemas.com.br/espacoitauplay
  • Classificação 12 anos
  • Elenco Regina Casé, Rogério Fróes e Otávio Müller
  • Produção Brasil, 2019
  • Direção Sandra Kogut
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