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'As Cariocas' liberta Sérgio Porto de sua criatura, Stanislaw Ponte Preta

Com as seis histórias do livro, autor retrata Rio de Janeiro sem retoques e volta a usar nome da carteira de identidade

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As Cariocas

  • Preço R$ 45,90 (240 págs.); R$ 29,90 (ebook)
  • Autoria Sérgio Porto
  • Editora Companhia das Letras

Lançado em 1967, “As Cariocas” distinguia Sérgio Porto de Stanislaw Ponte Preta. Uma tentativa de libertar o criador da criatura —cujo sucesso a tornava asfixiante e exclusivista— e de enveredar novos rumos, retomando certa picardia à moda de Manuel Antônio de Almeida e retratando a sociedade do Rio de Janeiro sem retoques como fizera Lima Barreto. A experiência, diga-se logo, deu certo.

Com as seis histórias entre conto e novela, o autor voltava a usar o nome da carteira de identidade, o que antes só tinha acontecido três vezes –na plaquete “Pequena História do Jazz”, de 1953, e nos livros de crônicas “O Homem ao Lado", de 1958, e “A Casa Demolida”, de 1963.

A maior parte de sua produção era assinada por Stanislaw Ponte Preta. Este, mais que um pseudônimo, era um heterônimo, personagem que surgiu nas páginas do Diário Carioca, em 1953, já cheio de vontades e bossas.

A variação de estilos é notável. Ridicularizando colunistas sociais, desprezando manuais de redação e normas cultas, Stanislaw promovia o deboche da oralidade —não só abonou gírias como também as inventou. O Sérgio Porto de “As Cariocas” é mais “sério”. Busca uma linguagem clássica, mas não conservadora. O que unia as duas penas era a qualidade de se pôr ao lado do leitor, sem concessão a mediocridades, se divertindo enquanto divertia.

Aqui e ali, aproveitando uma distração de Sérgio Porto, Stanislaw pega o controle das “pretinhas” e perpetra uma máxima que poderia figurar na boca da tia Zulmira –“Toda mulher de mau caráter gosta de falar como criança”. Não deixa de ser estranho encontrar esse pensamento numa obra que exalta a coragem das mulheres.

Falar de um Sérgio Porto feminista avant-garde seria exagero, mas é evidente que ele procura um olhar ou um entendimento do universo feminino no livro. Acerta mais do que erra, provando que não era só o “mulherólogo” que escolhia “As Certinhas do Lalau” para a revista Manchete.

A mais bem acabada das peças, “A Noiva do Catete”, abre com a recordação lírica do velho bairro, com sobrados abrigando de hotéis a açougues, de tradicionais casas de móveis a pensões de estudantes, além da grande quantidade de bares e restaurantes, entre os quais o Lamas, onde os garçons chamavam o prato de bife com fritas de “um com elas”. Ali mora Luci, a noiva, que tem dois homens fixos, outros ocasionais, um gato, e sente uma solidão imensa.

“A Currada de Madureira” tem surpreendente parentesco com a literatura brutalista de Rubem Fonseca, que dois anos antes lançara a coletânea de contos “A Coleira do Cão”. O relato denuncia o crime organizado, o policial corrupto e torturador, o feminicídio.

O primeiro parágrafo de “A Desquitada da Tijuca” mostra que as coisas pouco mudaram, da década de 1960 para cá, no transporte público. “Esse gorducho vai encostar a barriga nojenta em mim durante a viagem toda, pensou Marta. O homem olhava-a de olhos vidrados, inclementes e pedintes, um incômodo olhar que Marta, com o que lhe restava de senso de humor, mentalmente classificou de ‘olhar de badejo de geladeira’.”

E humor é o que não falta, sobretudo em duas histórias, “A Grã-Fina de Copacabana”, flagrante do troca-troca de casais na alta burguesia, e “A Desinibida do Grajaú”, que ensina os perigos de se lavar o carro de shortinho numa vizinhança de bons costumes.

De arquitetura simples, mas funcional, e diálogos coloquiais que carregam a ação, as novelas de Sérgio Porto —à exceção de “A Currada de Madureira”— ganharam o cinema e a televisão. Natural –ao menos três delas nasceram de argumentos para a tela grande.

O curioso é que havia uma sétima carioca, que acabou de fora. Em 1965 o autor participou da antologia “A Cidade e as Ruas”, apresentando um conto que emprestava o título à canção já então famosa de Tom e Vinicius, “Garota de Ipanema”.

Morto de infarto aos 45 anos, em 1968, o escritor ainda esboçaria um romance, “O Transplante”, de que restou o primeiro capítulo. No prefácio de “As Cariocas”, Jorge Amado tinha razão em dizer que, para se tornar um verdadeiro ficcionista, só faltava tempo a Sérgio Porto. Tempo que infelizmente ele não teve.

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