De “Atrás da Sombra” se pode falar que arrebanha uma dúzia de clichês –o detetive particular a perigo, a cidadezinha hostil a estranhos, uma misteriosa empresa que domina o local, as pessoas não menos misteriosas que acolhem o detetive etc.
Todos esses clichês, no entanto, são logo esquecidos, absorvidos pela atmosfera estranha em que mergulha o espectador –o misticismo, a noite, as caronas inesperadas, as caminhonetes da tal empresa, o bar.
Se estivéssemos numa paisagem conhecida, tudo isso seria, talvez, imperdoável. Mas, não, é o interior de Goiás, sua vegetação, suas ruas mal iluminadas, é isso o que primeiro chama a atenção –as coisas e pessoas em que não reparamos, mesmo quando vemos.
É ali que Jorge, o detetive, vai exercer seus dotes. Espera, em troca, receber uma bolada que o livre dos problemas que enfrenta com humanos. Sim, porque o caso envolve a presença de uma assombração.
E assombrações —por mais gastas que estejam, quando aparecem numa floresta, num lugar onde nunca sabemos se o personagem está perdido ou não, se está sendo traído ou não, perseguindo ou sendo perseguido— são recursos eficazes, especialmente do modo como são usados em “Atrás da Sombra”, porque existe entre a pura imaginação primitiva, o poder de sugestão e o sobrenatural puro e simples. Isto é, estamos num lugar misterioso por excelência, Goiás, e o filme parece saber bem disso.
Essa é talvez a principal razão de o filme transitar com desenvoltura entre o policial e o terror, sem ofender o senso crítico do espectador e até o levando para dentro da intriga.
Digamos que para isso não colabora a exposição, sumária e um tanto confusa. E, já que estamos no terreno dos problemas do filme, vale assinalar também que o recurso constante ao onírico não é dos mais interessantes. Ao menos até o ponto em que sonho e realidade passam a se fundir. É quando Jorge pisa, ao mesmo tempo, nos dois terrenos –o real e o sobrenatural, o sonho e a vigília se encontram num mesmo lugar, o cinema.
Entre as virtudes mais evidentes de “Atrás da Sombra” vale assinalar não apenas o sentido de atmosfera e a boa direção de atores imposta por Thiago Camargo em seu primeiro filme, bem como a presença notável do protagonista, Bukassa Kabengele.
Também é relevante o fato de esse ser um filme goiano, um cinema que há muito tempo não costuma circular pelo Brasil. A proposta que o cinema novo impôs nos anos 1960, de mostrar o Brasil, aos poucos vai se transformando em muitos cinemas que, por fim, acabaram com o monopólio do chamado eixo Rio-São Paulo.
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