Captação de recursos pela Lei Rouanet cai 35%, a maior queda da última década

Há estados que não chegaram a obter dinheiro, como Alagoas, Amapá, Roraima e Tocantins

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Brasília

A pandemia do novo coronavírus reduziu em 35% a captação de recursos por meio da Lei de Incentivo à Cultura, conhecida como Lei Rouanet. A queda foi a maior da última década.

No primeiro semestre deste ano a captação, atingiu R$ 199,9 milhões, já nesse mesmo período do ano passado a quantia foi de R$ 306,1 milhões.

O valor é ainda menor que em 2010. Naquele ano, ele havia chegado a R$ 484,5 milhões, segundo dados corrigidos pelo IPCA, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo.

Há estados que não chegaram a ter obtenção de recursos, como Alagoas, Amapá, Roraima e Tocantins.

A Secretaria Especial da Cultura afirmou que a queda ocorreu a partir de abril em função do coronavírus.

"A nova realidade reduziu as expectativas de realização de lucros por parte das empresas investidoras e impediu que ocorressem eventos culturais presenciais", afirmou o órgão, em nota.

A Lei Rouanet é um dos principais mecanismos de incentivo à cultura no Brasil. Ela prevê que as empresas e pessoas físicas possam destinar parte do Imposto de Renda devido a projetos culturais. Toda proposta, aprovada pelo governo, pode receber captação de recursos de renúncia fiscal.

Assim como o órgão, especialistas apontam que essa redução tem relação direta com a pandemia e demonstra como os agentes envolvidos com o setor cultural têm sido fortemente impactados.

Segundo Leandro Valiati, pesquisador e professor de economia do setor cultural da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a UFRGS, e da Universidade Queen Mary, de Londres, a lei já estava sofrendo redução com a crise econômica. A pandemia, porém, agravou essa situação.

"A diminuição progressiva dos montantes subsidiados pela Rouanet exibe a fragilidade gigantesca do setor e só corrobora para mostrar que o Brasil está desprezando esse segmento econômico que tem enorme relevância. O setor será fundamental para ajudar no retorno econômico mundial pós-pandemia."

Já Ana Ferguson, especialista em leis de incentivo e professora no MBA e nos cursos de pós-graduação da Associação Brasileira de Gestão Cultural, a ABGC, ligada à Universidade Cândido Mendes, disse que as empresas que já tiveram o lucro reduzido pela pandemia mudaram também a estratégia de investimento.

"As grandes empresas inverteram as intenções e prioridades, elas têm focado projetos ligados à área social e da saúde. Os projetos culturais, como música e artes cênicas, foram proibidos e não há data para voltar. Isso ocasionou uma retração das empresas ao destinar recursos e patrocínios para a área."

Quem já está sentindo dificuldade de conseguir recurso via Lei Rouanet é o produtor cultural Jussan Silva e Silva. Ele atua no Rio de Janeiro e no Espírito Santo.

Acostumado a realizar captação desde 2015 para o Fecim, o Festival de TV e Cinema de Muqui, ele tem encontrado dificuldade neste ano. A intenção é trocar o telão na praça na cidade capixaba de Muqui por um evento digital.

"Se não fossem os editais emergenciais dos estados e das empresas para socorrer o setor, o impacto negativo seria ainda pior."

Ferguson afirmou que o setor cultural foi o primeiro a parar e será o último a retornar às atividades. Segundo ela, o que tem contribuído para os trabalhadores da cultura são os editais públicos criados pelos governos estaduais e pelas prefeituras.

Ela destacou ainda que a área será beneficiada com a Lei Aldir Blanc, que destina R$ 3 bilhões para o setor cultural.

Pela medida, os trabalhadores informais, espaços artísticos e cooperativas culturais receberão uma renda emergencial de R$ 600, paga em três parcelas mensais.

"Eu acredito que a economia criativa foi duramente atingida porque não existe uma expectativa de volta. Enquanto não houver uma estabilização dos casos e a certeza de que não acontecerá uma nova onda de contágio, não será permitida a liberação de espaços públicos para execução de projetos culturais."

Segundo Valiati, as medidas, mesmo que importantes, são tímidas. Ele disse acreditar que o retorno das atividades não ocorrerá da mesma forma, o que impactará por muito mais tempo o setor.

"É necessário apoiar esses artistas menores para que eles se adaptem aos novos modelos de entrega de conteúdo, além de criar espaço para difusão desses produtos culturais que não têm tanto poder de mercado sozinho", disse.

Além da Lei Aldir Blanc, o secretário especial da Cultura, Mario Frias, anunciou em rede social que há mais projetos sendo desenvolvidos para o setor. No entanto, ainda não anunciou quais seriam.

"Já estão sendo criados mais dois projetos de ajuda direta para a classe [artística]. Tudo isso leva tempo e tem que ser realizado dentro da lei", publicou, no início deste mês.

O novo secretário tem prometido ainda mudanças em algumas áreas da cultura, como na própria Lei Rouanet. Já no ano passado houve alteração no valor máximo autorizado para um projeto, antes o teto poderia chegar a R$ 60 milhões, isso caiu para R$ 1 milhão.

Em entrevista ao canal do deputado Eduardo Bolsonaro no Youtube, o secretário disse que não podem existir "os barões da Lei Rouanet". "O problema não é a lei, mas quem a abraçou para uso exclusivo."

Frias inclusive apoiou o deputado numa postagem feita na semana passada. Nela, Eduardo Bolsonaro ataca o PT e a imprensa ao falar sobre a exoneração de Odecir Luiz Prata da Costa, apontado como o maior especialista da Lei Rouanet na reportagem compartilhada.

"Maior especialista em Lei Rouanet? É notório que essa lei foi usada para o PT comprar a classe artística e aquela parte da grande imprensa sempre ignorou esse fato. Por que essa maravilhosa imprensa agora se importa? Estranho seria manter esse tipo de pessoa no governo Bolsonaro", publicou Eduardo.

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