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Cinema

Ennio Morricone se consagrou erudito e pop com trilhas extraordinárias

Maestro recebeu diversos prêmios do cinema e se tornou caso raro entre os compositores do setor

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Amir Labaki

Ennio Morricone, que morreu nesta segunda-feira (6), aos 91, foi dos raríssimos compositores da história do cinema cuja assinatura ombreou, quando não largamente superou, a dos cineastas com quem colaborou.

Em seis décadas de atividade, seu nome distingue mais de 500 créditos, cumprindo logo destacar os que mais o merecem –Marco Bellocchio, Bernardo Bertolucci, John Carpenter, Brian De Palma, Sergio Leone, Terrence Mallick, Pier Paolo Pasolini, Elio Petri, Roman Polanski, Francesco Rosi, Quentin Tarantino, Giuseppe Tornatore.

A improvável coexistência nesta lista de cineastas de estilos tão distintos sinaliza a versatilidade criativa de Morricone. Basta comparar, para ficar entre trilhas contemporâneas e mais populares, as que compôs para “A Missão”, de 1986, de Roland Joffé, e “Busca Frenética”, de 1988, de Polanski —épica, telúrica a primeira, urbana, rascante a segunda.

Além da adequação inequívoca para as narrativas que ajudava a edificar, o ponto em comum entre elas está no fato de demonstrarem como Morricone liquidou a pretensa verdade de que a boa trilha musical para cinema é aquela que não se destaca durante a experiência da projeção.

Os trabalhos de Bernard Hermann com Hitchcock e de Nino Rota com Fellini também o reafirmam, para ficar em apenas dois exemplos, mas a amplitude da paleta e a modernidade por vez john-cagiana de Morricone o distinguem.

Sim, não se negue que as melhores trilhas fazem ouvir organicamente a obra como um todo, se fixando à argamassa estética do filme, a tal ponto que suas emoções remetem àquelas imagens e àquela música.

Mas fiquemos apenas com a parceria que mais contribuiu para a consagração internacional de Morricone, a com Sergio Leone, no quinteto formado pelos westerns spaghetti de meados dos anos 1960 ao início dos anos 1970, “Por Um Punhado de Dólares”, de 1964, “Por Uns Dólares a Mais”, de 1965, “Três Homens em Conflito”, de 1966, “Era Uma Vez no Oeste”, de 1968, e “Quando Explode a Vingança”, de 1971, e pelo estupendo fecho hollywoodiano, “Era Uma Vez na América”, de 1984.

Em todos, Morricone se afirmou como extraordinário compositor de temas, com notáveis variações de filme a filme. É notável a ênfase em instrumentos distintos, por exemplo, para “Um Punhado de Dólares” (sopro e cordas), “Três Homens em Conflito” (sopro e coro) e “Era Uma Vez no Oeste” (coro e metais), ou, para “Era Uma Vez na América”, à plena exploração do corpo sonoro orquestral.

Ao avançar na parceria, ele ousa cada vez mais no recurso pontual a sonoridades particularidades como efeitos musicais, de relógios a ventos e assobios. Em seu arsenal heterodoxo, o maestro italiano não hesitava em fazer solar de apitos a harpas judaicas, um oboé ou uma ocarina.

Na parceria de Morricone e Leone, não se temia fazer a música saltar a primeiro plano, tão imponente quanto um close em Clint Eastwood ou Henry Fonda. Vale ressaltar, porém, o equilíbrio entre música e silêncio. Morricone sabia que às vezes a melhor trilha é música nenhuma.

Proporcional à sua frenética produtividade é a popularidade de sua obra. Para o grande público, provavelmente o nome de Morricone salta à língua ao pensar em “Cinema Paradiso”, de 1988, e seu melancólico tema ou no coral épico de “A Missão” muito antes de associar os filmes aos respectivos diretores, Giuseppe Tornatore e Roland Joffé. E é justo que seja assim.

Não surpreende que, nas últimas décadas, ele tenha corrido o mundo, revivendo para vastas plateias as emoções tradicionalmente reservadas para as salas escuras. Tampouco que suas melodias tenham sido ouvidas em novas versões, do violoncelista Yo-Yo Ma a bandas como Metallica e Ramones. Ennio Morricone escapou do nicho, a um só tempo se consagrando erudito e pop. Compondo para cinema, nos legou uma das trilhas de nossas vidas.

Minhas preferidas? Não esqueço os sopros embalando Clint Eastwood e Rene Russo sentados aos pés do monumento de Abraham Lincoln em Washington no fim de “Na Linha de Fogo”, de 1993, de Wolfgang Petersen, e a extraordinária sucessão do eletrônico ao operístico e deste ao “Tema de Morte” na execução de Sean Connery em “Os Intocáveis”, de 1989, de Brian De Palma. E o toque do gênio nos acompanha para sempre com o silvo ah-eh-ah-eh-oh do tema principal de “Três Homens em Conflito”.

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