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Exército quer lançar game que pode custar R$ 50 mi, e mercado questiona prazos

Em meio à crise sanitária, projeto 'Missão Verde-Oliva' prevê um jogo de guerra até 2021

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São Paulo

O Exército brasileiro assumiu uma nova missão —o nome é “Verde-Oliva”. Não deverá ter “sangue em demasia”, mas pretende ter gráficos de alta resolução.

É um projeto de um videogame de guerra que teve seu estudo de viabilidade encomendado para ser entregue daqui a três meses. Por ora, o Exército diz não saber precisar quanto o game vai custar, de onde sairá o dinheiro, como será o desenvolvimento e se serão feitas parcerias.

O objetivo é “criar impressões positivas sobre o Exército Brasileiro, principalmente nas faixas etárias de 16 a 24 anos”, segundo afirma a portaria que anunciou o projeto.

O documento diz ainda que o game tem previsão de sair em 2021, sendo disponibilizado, de graça, para até 15 mil jogadores ao mesmo tempo, e podendo alcançar 3 milhões de downloads em até dois anos. A ideia é que seja também possível jogar offline, no modo campanha, ou em multiplayer.

A história do game deve se passar em 2025, com o objetivo de evitar possíveis rusgas partidárias ou diplomáticas.

De acordo com grandes estúdios brasileiros de games, que prestam serviços de desenvolvimento e arte para blockbusters estrangeiros, os gastos com o jogo podem chegar a R$ 50 milhões, ainda mais em tempos de crise econômica e sanitária —uma análise feita, é claro, sem que haja muita informação sobre como será o jogo no futuro.

Thiago Freitas, CEO da recifense Kokku, calcula um custo entre R$ 10 mi e R$ 15 mi, mas pensando num game enxuto, uma espécie de base para posteriormente expandir, “sem tentar sair criando um jogo gigantesco de início”, diz.

Bruno Palermo, do estúdio Diorama Digital, até concorda com essa faixa de valor, mas só para um protótipo. Agora, se o Exército realmente estiver mirando um blockbuster de guerra de alta qualidade, pode chegar a R$ 50 milhões.

“Até 2021 você não lança nenhum jogo minimamente apresentável —não começou nem a captação”, diz Palermo.

Segundo Freitas, o prazo, apesar de não ser impossível de ser cumprido, está longe do ideal. O período de desenvolvimento deveria ter “entre 18 meses e dois anos para que se alcance um escopo próximo do que eles pretendem”, diz.

Mas um dos principais obstáculos para o sucesso de “Missão Verde-Oliva” pode ser o próprio público brasileiro, já acostumado com games de alta qualidade técnica.

“A gente tem um dos maiores mercados consumidores de jogos do mundo, mas uma indústria [de desenvolvimento] pequena”, afirma Palermo.

Segundo ele, uma estratégia de estúdios de games nacionais é tentar lançar seus títulos no exterior para daí, caso façam sucesso lá fora, disponibilizar os jogos no Brasil.

“Mas acho impraticável um jogo do Exército brasileiro ser lançado lá fora. E não sei como seria a recepção por aqui.”

No documento oficial que dá o pontapé inicial ao projeto “Missão Verde-Oliva”, são mencionadas referências como “Counter-Strike” e “Fortnite”.

“É uma coisa difícil de compreender. ‘Fortnite’ tem um estilo de arte completamente diferente do ‘Counter-Strike’. Eles têm que decidir logo que caminho vão escolher”, diz Thiago Freitas, da Kokku.

Não seria a primeira vez que um exército cria um game de guerra. Na verdade, o principal “case de sucesso” em que o Brasil tenta se inspirar é a franquia “America’s Army”, jogo de tiro em primeira pessoa, desenvolvido pelo Exército dos Estados Unidos, com o intuito de melhorar a imagem e atrair gente para a caserna.

A última versão do jogo, “Proving Grounds”, foi lançada há cinco anos. O game pode ser jogado de graça no Steam, plataforma em que acumula avaliações em sua maioria positivas entre os usuários.

Já “Glorious Mission”, de 2013, chamado pelo Washington Post de “equivalente chinês de ‘Call of Duty’”, foi desenvoldido com a participação do Exército de Libertação Popular da China e simula um conflito bélico com o Japão.

Em 2007, o Partido Comunista Chinês patrocinou o game “Incorruptible Warrior”, que se passava na China antiga e punha o jogador para batalhar contra oficiais corruptos. Segundo a revista Time, o jogo foi tirado de circulação.

Da vizinha Índia vem uma iniciativa mais modesta, o game mobile “Indian Air Force: A Cut Above”, gratuito, feito pelas Forças Aéreas indianas, lançado no ano passado.

Mas o que o Brasil busca fazer no meio desses grandalhões? E por que anuncia um game em momento de crise econômica e sanitária?

Procurado, o Exército repete os dizeres da portaria e ressalta o objetivo “de conscientizar a sociedade brasileira da importância dos assuntos de defesa”. Questões mais aprofundadas “ainda não estão em condições de ser respondidas”, já que o estudo de viabilidade ainda não foi feito.

De acordo com Jacqueline Muniz, professora do departamento de segurança pública da Universidade Federal Fluminense, no Exército brasileiro “há prioridades mais urgentes do que brincar com gastos publicitários”. “Os Estados Unidos têm dinheiro de sobra para gastar nas Forças Armadas”, ela acrescenta.

“Há necessidade de jogos de guerra? Sim, mas para dentro”, diz a professora, lembrando os simuladores usados para treinamento e qualificação pelas próprias Forças Armadas.

E o principal atrativo delas no Brasil não tem tanto a ver com uma suposta adrenalina em combater inimigos ou salvar vidas, num clima de filme de ação, afirma Muniz.

“No Brasil, o Exército tem servido de mecanismo de mobilidade e ascensão social. Permite que indivíduos que não tiveram tanto acesso a escolaridade consigam uma carreira estável.” Para quem vem das classes mais endinheiradas, uma infinidade de outros setores do mercado de trabalho costumam ser mais atrativos.

Ainda segundo a professora, investimentos em outras áreas são mais urgentes, como no ensino e formação de militares no Brasil e em esforços que estruturem a carreira militar e a tornem mais atrativa.

“Não vai ser por causa de um joguinho que um jovem que estudou nas melhores escolas e fala várias línguas vai buscar carreira militar.”

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