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Gasperini é o último dos arquitetos-imigrantes que transformaram SP

Morto nesta quarta (15), arquiteto que desenhou o edifício Pauliceia ajudou a moldar as feições paulistanas

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Fernando Serapião

O desaparecimento de Gian Carlo Gasperini, morto em São Paulo aos 93 anos de idade, encerra o expressivo período em que arquitetos-imigrantes modificaram as feições da cidade.

O ímã que os atraía era a pujança econômica paulistana, que construía “um prédio por hora”. Se essa narrativa começou no entre-guerras, com a chegada do ucraniano Gregori Warchavchik, autor das primeiras casas modernas do país, e do francês Jacques Pilon, que traçou a Biblioteca Mário de Andrade, ela tem o capítulo mais fecundo no pós-Guerra. Entre os alemães, o mais importante foi Franz Heep, arquiteto do edifício Itália.

 Gian Carlo Gasperini (centro), Roberto Aflalo (dir.) e Luiz Felipe Aflalo (esq.), sócios do escritórios de arquitetura Aflalo & Gasperini
Gian Carlo Gasperini (centro), Roberto Aflalo (dir.) e Luiz Felipe Aflalo (esq.), sócios do escritórios de arquitetura Aflalo & Gasperini - Ze Carlos Barretta - 08.jan.2013/Folhapress

Os mais numerosos, todavia, são os italianos, refletindo a força da colônia. Entre eles, estão nomes como Lina Bo Bardi e Giancarlo Palanti. Se todos aportaram no Brasil com educação e vivência profissional, como caçula deste movimento, Gasperini foi um híbrido –sua formação tem um pé na Europa e outro na América.

O descompasso entre os contextos arquitetônicos pode ser mensurado pelo que realizaram seus colegas de turma, lá e cá. Enquanto os romanos integraram o esquadrão pós-moderno da Itália, a exemplo de Carlo Aymonino, parceiro de Aldo Rossi, os cariocas lutavam ainda nas trincheiras modernas, como Acácio Gil Borsoi.

Por acidente, a vida de Gasperini começou num balneário perto de Nápoles, onde sua mãe passava férias de verão. Mas sua família era de Roma, onde ele cresceu desenhando as ruínas. Seu universo se ampliou quando passou a juventude na África, entre o Egito e a Etiópia, acompanhando o pai, médico sanitarista e consultor internacional.

Quando chegou ao Brasil, em 1947, seu intuito era passar uma temporada. Mas, impactado com os edifícios modernos, o estudante de arquitetura resolveu ficar. Oscar Niemeyer era o nome mais despontado da geração, mas Gasperini preferia a obra de Affonso Eduardo Reidy.

Ele se casou com uma integrante da elite carioca, se diplomou e se mudou para São Paulo, onde estava o dinheiro. Foi atraído pela oportunidade de chefiar o maior escritório de arquitetura do país, liderado por Pilon e com cargo deixado por Heep.

Bem relacionado, seu chefe dava liberdade para ele criar mas exigia coautoria. O primeiro trabalho importante que dirigiu foi o edifício-sede do Unibanco, na praça do Patriarca, traçado em parceria com os americanos do SOM.

No mesmo contexto, Gasperini gerou sua primeira cria genial, os gêmeos Pauliceia e São Carlos do Pinhal, na avenida Paulista. Começou traçando a obra com sotaque carioca, mas encontrou caminho próprio encobrindo na sofisticada fachada com linhas horizontais a complexidade das divisões internas, com apartamentos de um a três dormitórios.

Depois, num curto período solo, dirigiu um movimentado escritório que deixou outro legado, a galeria Metrópole, criada em parceira com Salvador Cândia, cujo embasamento ainda encanta os estudiosos.

Em 1962, Gasperini uniu forças ao escritório de Plínio Croce e Roberto Aflalo para concorrer no concurso do edifício Peugeot, em Buenos Aires. O trio venceu 225 propostas enviadas por colegas de 55 países. Se o impressionante edifício miesiano (que Mies van der Rohe não fez) permaneceu na gaveta, ele gerou o escritório de arquitetura brasileiro mais respeitado entre seus pares e com quase 60 anos de história.

Neste período, Gasperini lecionou na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, ajudando a criar um saudável contraponto à produção de Vilanova Artigas. Como mais criativo entre os sócios originais do Croce, Aflao & Gasperini, ele criou diversos ícones arquitetônicos.

É de sua autoria, por exemplo, outra obra-prima, o auditório Cláudio Santoro, que abriga o festival de inverno de Campos do Jordão. Nele, está patente a sensibilidade do arquiteto. Primeiro, Gasperini coincidiu a topografia com a inclinação da plateia. Depois, criou uma cobertura plana, de planta quadrada, sem pilares nas extremidades, uma solução tão engenhosa quanto simples. Afinou os materiais com apuro. Por fim, soltou as duas peças –plateia e cobertura–, para que a mata atlântica adentrasse os concertos de música clássica. Bravo, Gasperini, bravíssimo!

Fernando Serapião é crítico de arquitetura, editor da Monolito e autor do livro A arquitetura de Croce, Aflalo & Gasperini (Paralaxe, 2011), ganhador do Jabuti em 2012.

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