Governo de São Paulo proíbe galerias de arte de reabrirem com exposições

No limbo entre o comércio de rua e os museus, casas foram surpreendidas por decreto que as listou entre cinemas e teatros

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São Paulo

Com a reabertura gradual da capital paulista, duas galerias de arte ensaiavam abrir as portas com novas mostras depois de mais de três meses fechadas.

Mas suspenderam as exposições ao serem listadas, num decreto do governo estadual da semana passada, na mesma categoria que cinemas, teatros e museus. Estes só podem retomar as atividades na próxima fase de reabertura.

No bairro dos Jardins, a uma quadra uma da outra, as galerias eram a Dan e a Simões de Assis. A primeira chegou a abrir as portas para apresentar, a partir da quarta passada, uma mostra em homenagem ao centenário de Amilcar de Castro, comemorado no início de junho.

A segunda abriria nesta terça duas exposições dedicadas ao pintor Jorge Guinle, uma reunindo suas telas e outra com obras de artistas que ele entrevistou para a versão nacional da revista Interview na década de 1980.

Mesmo que recebendo críticas pontuais nas redes sociais, a reabertura das galerias seguia as normas estabelecidas pelas autoridades. Identificadas na Classificação Nacional de Atividades Econômicas como “comércio varejista de objetos de arte”, elas a princípio poderiam abrir seguindo os protocolos divulgados no início de mês para o comércio de rua em geral, com limitações de público e de horários.

Por isso, a Dan e a Simões de Assis disseram ter sido pegas de surpresa quando, na última sexta, foram incluídas entre os cinemas, teatros, museus e outros estabelecimentos culturais com abertura prevista para o fim do mês caso as taxas de ocupação das UTIs permaneçam estáveis pelos próximos 28 dias.

As duas exposições foram, então, adiadas —embora possam ser vistas digitalmente. Mas a contragosto dos galeristas, uma vez que, eles destacam, a quantidade de visitantes que recebem não é comparável nem mesmo ao de uma loja convencional, quanto mais a um museu ou a um teatro. Mesmo antes da pandemia, costumavam receber de dez a 15 pessoas por dia.

Além disso, diz Ulisses Cohn, sócio da Dan ao lado do irmão Flávio Cohn, os protocolos são simples de ser obedecidos nesses espaços, uma vez que obras de arte não são testadas ou manuseadas por visitantes.

A Abact, Associação Brasileira de Arte Contemporânea, chegou a formular um protocolo de reabertura específico para o setor e enviar ao governo estadual, mas ele foi negado. Com isso, a entidade indicou aos seus associados esperar a nova fase de abertura.

No centro do imbróglio entre as galerias e o governo parece haver uma falta de entendimento sobre como funcionam as galerias de arte hoje.

Questionada sobre a inclusão dessas casas ao lado de locais que recebem verdadeiras multidões, a Secretaria de Desenvolvimento Econômico estadual declarou, em nota, que elas podem funcionar segundo as orientações do comércio de rua, mas que atividades como exposições só podem acontecer no período seguinte de reabertura.

“Galerias de arte que promovam atração de público, com fins de visitação, independentemente da quantidade de pessoas no local, não têm permissão para funcionamento”, disse o órgão.

Mas as galerias vendem suas peças a partir de exposições, muitas delas com escopo e importância comparáveis àquelas de museus e centros culturais. São elas que conferem relevância e contexto às caras transações que acontecem ali.

Do contrário, assim como outras atividades, as casas poderiam simplesmente ter criado plataformas de comércio na internet, em vez das salas de exibição digitais que se proliferaram na quarentena.

Uma outra questão ainda complica o imbróglio. Mostras virtuais como essas ajudam a gerar interesse, mas, isoladas, não sustentam os negócios, conta Flávio Cohn. Os colecionadores querem ver os trabalhos ao vivo no momento da decisão final.

“Há um conflito conceitual que precisa ser esclarecido”, resume Ulisses Cohn. “Estamos mais próximos da fase atual pelo volume de público que atendemos. Não nos comparamos a um cinema.”

Amilcar de Castro - 100 Anos

Jorge Guinle - Ao Fim e ao Cabo

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