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JK Rowling constrói fábula violenta sobre autoritarismo e medo em novo livro

Lançado em partes durante a pandemia, 'O Ickabog' foi escrito há mais de dez anos para ser lido aos filhos da autora

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O Ickabog

Chegou ao fim nesta sexta (10) a história do pequeno país Cornucópia. Um antigo reino formado por regiões dedicadas ao queijo, ao vinho, aos doces de confeitaria e à charcutaria que vivia feliz até que uma lenda de um monstro horrível passa a ganhar ares de realidade.

Esse é o cenário e parte da trama de “O Ickabog”, o novo livro de J. K. Rowling, publicado gratuitamente e online. A autora de Harry Potter havia anunciado que a novidade seria lançada em partes, diariamente, e assim foi, do fim de maio até esta semana. Inclusive com versão em português, que chega ao seu capítulo final no próximo dia 17.

Rowling disse, no anúncio, que o livro estava escrito há mais de dez anos e guardado. Fora pensado para ler a seus filhos à noite, antes de dormir.

Com o isolamento causado pela pandemia, a escritora, que nos últimos meses se vê envolta em polêmicas na internet sendo acusada de transfóbica, decidiu compartilhar a narrativa para que outras crianças pudessem ouvir, ou ler, a história em casa.

“O Ickabog” funciona mesmo muito bem para leituras noturnas, com capítulos curtos, detalhadas descrições de espaços e diálogos que podem facilmente ser lidos com diferentes tipos de vozes. Há ainda um delicioso uso do expediente do narrador que conversa com o leitor.

Apesar de ser um livro que mexe muito com a imaginação, cheio de viagens de aventura, prisões em calabouços e orfanatos com diretoras megeras, já começando com ares do conhecido “num reino muito distante”, ele difere bastante da série que consagrou sua autora. Aqui não há magia. Há, contudo, muita violência.

Toda uma geração pottermaníaca sofreu o impacto da morte um tanto enigmática de Sirius Black, padrinho de Harry Potter, ou de Dobby, o elfo doméstico amigo do bruxo. Eram poucas as mortes na saga de Potter.

Em “Ickabog”, indicado pelos editores para crianças de sete a nove anos, elas são muitas. A maior parte, assassinatos. Porém, por ser o livro curto e no tom de fábula, não se chega a se afeiçoar pelos personagens que logo têm fim trágico, o que torna as mortes menos impactantes.

A lição aqui é política. O livro explora como se dá o surgimento de um regime autoritário. Graças a uma espécie de golpe, o rei de Cornucópia torna-se um governante meramente decorativo, ficando o reino à mercê dos desmandos de dois homens corruptos.

Cuspêncio e Palermo usam uma antiga lenda de um monstro que vive nos pântanos do norte do reino, o Ickabog, para assustar os moradores, militarizar o país e aumentar os impostos sobre a população.

Rapidamente os opositores, ou seja, os que questionam a existência do monstro e toda a narrativa de seus ataques, passam a ser perseguidos, e instaura-se uma era de silêncio, medo e miséria.

Não é difícil lembrar como ameaças invisíveis semelhantes, como os monstros do comunismo ou do imperialismo, que colocariam sob risco a soberania, já foram usados no recrudescimento de governos pelo mundo.

Estão ali, para quem sentir saudades da heptalogia de Harry Potter, os nomes de personagens, de lugares e de objetos que remetem a suas formas ou funções, além de, claro, o protagonismo de crianças e jovens —afinal, o público-alvo da história são crianças, mesmo que os pottermaníacos já trintões possam com ela se deleitar.

São jovens adolescentes, que conhecemos no início do livro como crianças felizes da cidade que fica dentro dos muros do castelo, que passarão a combater todo esse mal. E mais é melhor não falar para evitar o spoiler.

Basta dizer, para os pais republicanos que estejam interessados, que uma terra que começa sob um regime monárquico absolutista e vive anos sob uma ditadura sanguinária não voltará a ter um rei nesta história da britânica J. K. Rowling.

Junto da publicação seriada de “O Ickabog”, o site oficial promove um concurso de desenhos que ilustrem trechos do livro. As editoras que vão publica-lo em formato físico no final do ano vão escolher alguns deles para suas páginas.

No Brasil, a Rocco organiza a seleção e recebe inscrições até o dia 24 pelo site oickabogconcurso.com.br. Os 34 escolhidos ganham ainda livros para si e para doar a bibliotecas.

Segundo Rowling, todo o lucro do livro será revertido para ações que ajudem pessoas que sofrem com a crise do coronavírus.

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