Descrição de chapéu The New York Times

Museus chegam ao TikTok e pinturas clássicas ganham versões engraçadas

Com tom humorístico, obras de arte fazem sucesso na plataforma e atraem jovens pelo mundo

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Alex Marshall
Londres | The New York Times

No mês passado, a Galleria degli Uffizi, em Florença —por muito tempo um baluarte do tradicionalismo— postou um vídeo em sua conta no TikTok que mostrava a “Primavera” de Sandro Botticelli. O quadro mostra Vênus e outras figuras mitológicas e há séculos é objeto da atenção dos turistas e de estudos acadêmicos.

No TikTok, os usuários encontraram uma nova perspectiva sobre essa obra-prima do Renascimento italiano: ao som de “Nails, Hair, Hips, Heels”, uma canção de Todrick Hall repleta de palavrões, a cada vez que uma parte do corpo é mencionada na letra —“cintura fina, coxas grossas"—, o vídeo salta para a porção correspondente do quadro. Quando Hall canta sobre uma “bolsa cheia, dinheiro pesado”, o vídeo do TikTok mostra as flores nas mãos de Flora, a deusa da primavera.

E à medida que a canção ganha pulso, a edição do vídeo mostra a figura pintada no século 15 dançando no ritmo da música.

O vídeo irreverente é um dos diversos disponíveis na conta de TikTok do Uffizi que brincam com a coleção de obras-primas da instituição, enquanto o museu tenta mudar sua imagem, de um lar empoeirado para peças de arte renascentista a um lugar que os adolescentes italianos queiram visitar.

“Pode parecer meio estúpido”, disse Ilde Forgione, 35, que opera a conta do museu no TikTok, em entrevista por telefone, “mas às vezes é preciso dar um ponto de vista diferente às pessoas, algo que diga que a arte não é entediante, que arte não é algo que você aprende na escola e só". "Na verdade, arte é algo que você pode descobrir por conta própria.”

Há 11 museus dotados de contas no TikTok, agora, de acordo com a plataforma, que não para de se expandir. Nela, pessoas (em sua maioria jovens) fazem e postam vídeos curtos. O Rijksmuseum de Amsterdã aderiu em abril e o Museu do Prado, de Madri, começou a postar vídeos na plataforma no começo de junho. (O Museu Metropolitano de Arte de Nova York usou a plataforma para um par de projetos no ano passado mas sua conta agora está adormecida.)

O Uffizi é um integrante especialmente implausível desse grupo, já que, até dois anos atrás, o museu agia como se a internet não existisse.

O Uffizi só montou um site próprio em 2015 (cambistas costumavam explorar sua ausência operando sites paralelos que descreviam como “oficiais”) e só quando teve de fechar as portas por causa do coronavírus, em março, estabeleceu uma página de Facebook, como parte de um esforço para manter contato com as pessoas que ficaram confinadas em suas casas durante o período de lockdown na Itália.

“Estávamos basicamente na idade da pedra”, disse Eike Schmidt, o diretor do museu, em uma entrevista por telefone, afirmando que, em alguns poucos meses, o Uffizi havia deixado de ser um retardatário e havia chegado a uma posição de “vanguarda”, entre os esforços de rede social dos museus.

Ele decidiu que era hora de tentar o TikTok, porque a plataforma atinge usuários mais jovens do que o Twitter, Facebook e até mesmo o Instagram. Pediu que Forgione, assistente administrativa da instituição, liderasse uma equipe encarregada de produzir material para a conta depois de ser informado que ela adorava postagens divertidas na rede social, disse Schmidt.

Os vídeos de Forgione são certamente engraçados e, em alguns momentos, surreais. Em um deles, um cartum sobre o coronavírus dança pelos corredores do Uffizi e para diante da “Medusa”, um quadro de Caravaggio sobre a criatura mítica que transformava em pedra aqueles que ousavam encarar o seu rosto. O vírus é transformado em pedra e cai no chão, quebrando no meio. Em seguida a imagem no quadro aparece usando máscara. Tudo isso acontece ao som de uma trilha sonora na qual Cardi B grita “coronavírus”.

Em outro vídeo, Morgante, um anão retratado por Bronzino em 1552, sai da moldura do quadro e vai à caça, nu, nos jardins do Uffizi, ao som de “Blinding Lights”, de The Weeknd. O verdadeiro Morgante, bobo da corte da dinastia Medici no século 16, costumava caçar naqueles jardins, disse Forgione, que insiste que seus vídeos têm base em fatos históricos.

A conta, estabelecida em 28 de abril, tem mais de 30 mil seguidores. Forgione disse que estava satisfeita com o número, considerando que no Twitter o museu demorou quatro anos para arrebanhar 42 mil. Em 12 de junho, Martina Socrate, uma estrela italiana do TikTok, fez uma live usando a conta do museu, durante o qual ela mostrou quadros de que gostava e disparou acidentalmente o alarme do edifício.

"Medusa", um quadro de Caravaggio, com máscara em um vídeo de Tik Tok na conta da galeria Uffizi, em Florença
"Medusa", um quadro de Caravaggio, com máscara em um vídeo de Tik Tok na conta da galeria Uffizi, em Florença - Reprodução

O TikTok ajudou a organizar a live como parte de sua “semana dos museus”, para a qual ofereceu uma lista de “criadores” da qual os museus podiam escolher colaboradores. O Uffizi escolheu Socrate porque os vídeos dela no TikTok operavam com os mesmos valores e eram “engraçados de um jeito inteligente”, disse Forgione.

O TikTok está tentando expandir a presença de museus e de instituições educacionais na plataforma. Em abril, anunciou um fundo de US$ 50 milhões (equivalente a R$ 267,4 milhões) para financiar a produção de conteúdo por essas organizações e, em maio, anunciou parcerias com Bill Nye e Neil de Grasse Tyson a fim de desenvolver postagens educacionais.

Forgione disse que a parte mais difícil de operar a conta era encontrar o tom certo para se comunicar com a jovem audiência do TikTok. “Tenho 35 anos”, ela disse, “e outras pessoas da equipe são ainda mais velhas”. Ela discute suas ideias com dois primos, de 20 e 22 anos de idade. (Os dois também a ajudam ocasionalmente a usar o Photoshop.) Os colegas dela no museu também consultam seus filhos adolescentes sobre os vídeos, ela acrescentou.

A abordagem do Uffizi com relação ao TikTok —que abusa do humor frenético e em muitos casos recorre a canções que estão fazendo sucesso na Itália— não é típica dos museus que usam a plataforma. Desde janeiro, o Museu Carnegie de História Natural, de Pittsburgh, vem postando em sua conta uma série de vídeos educativos gentis, muitos dos quais mostrando funcionários do museu que estão trabalhando de casa por causa do coronavírus. Vídeos recentes incluem um educador do museu mostrando um ninho de coelho no jardim e uma cientista explicando o que significa biodiversidade com a ajuda de seu gato.

Sloan MacRae, o diretor de marketing do museu, disse em entrevista que o Carnegie jamais considerou a hipótese de usar vídeos engraçadinhos ou musicais. “Não somos assim”, ele disse. Mas sua abordagem educacional “delicadamente engraçada” ajudou o Carnegie a conquistar 160 mil seguidores, ele disse, e muitas dessas pessoas disseram que gostariam de visitar o museu quando ele reabrir. Em junho, o museu recebeu verbas do Fundo de Aprendizado Criativo do TikTok, ele acrescentou.

“O TikTok pode ser acusado de falta de profundidade intelectual”, disse MacRae sobre a plataforma, “mas fazemos vídeos intelectuais e de tom sério o tempo todo, e nossa ideia é que, se eles funcionarem, podem servir como porta de entrada ao aprendizado”.

Forgione disse que continuaria com seus vídeos irreverentes para o TikTok. Recentemente, sua equipe postou um novo vídeo em que usa dois quadros da coleção do museu para oferecer dicas sobre “maneiras ruins de flertar”. O vídeo não demorou a receber likes.

O museu reabriu em 2 de junho, depois que a Itália relaxou as medidas de lockdown, e Forgione disse que espera que os fãs da conta do museu no TikTok façam uma visita. “Seria ótimo se as pessoas fizessem vídeos para o TikTok aqui e nos identificassem”, ela acrescentou. Vídeos sérios ou engraçadinhos, ela disse —o Uffizi está aberto a tudo.

Tradução de Paulo Migliacci

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