Descrição de chapéu The New York Times

Os climas e prazeres de Donald Judd que estavam em mostra antes da pandemia

Artista foi tema de exposição no Museu de Arte Moderna de Nova York que fazia uma retrospectiva de sua carreira

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Holland Cotter
The New York Times

Imagino se a ideia de marcar presença na história da arte ao mudar a maneira pela qual a história transcorre chega a ocorrer alguma vez aos jovens artistas do presente globalista e pluralista. Donald Judd, pioneiro de um movimento surgido na década de 1960 e que levou o rótulo de “minimalista” (a ideia não veio de Judd, e ele odiava a definição), pensava sobre isso constantemente.

Desde o começo, Judd queria ser grande coisa na arte, influenciar muito os acontecimentos. E foi o que ele realizou, muito antes de sua morte, aos 65 anos, em 1994.

Suas obras eram parte do acervo de grandes museus americanos e europeus. A forma escultural que se tornou sua assinatura –uma caixa de metal ou madeira, vazia– não só havia sido adaptada por outros artistas como variações dela se tornaram tema comum no design e arquitetura internacional. Em alguma medida, todos vivíamos, e continuamos a viver, no mundo de Judd.

No entanto, com a passagem do tempo Judd parece ter saído de vista. A retrospectiva de 70 de seus trabalhos que estreou no dia 1º de março no Museu de Arte Moderna de Nova York, o MoMA, foi a primeira em mais de 30 anos.

É uma bela mostra –peças judiciosamente selecionadas, instaladas de maneira persuasiva, do tamanho certo. Seu título, “Judd”, se enquadra ao lugar que ele desejava e pelo qual trabalhou na história da arte –garantido a ponto de não necessitar de qualificativos ou explicações.

A grande e talvez única surpresa, particularmente para as pessoas que encaram Judd com ceticismo, é o quanto parecem belas algumas das peças, o quanto parecem poéticas e misteriosas. São qualidades que Judd mesmo, ao menos no início de sua carreira, não gostaria de ver aplicadas ao seu trabalho, que na década de 1950 consistia basicamente de pinturas.

Beleza e mistério pertenciam à arte do ontem. Sua arte era uma arte do hoje, um hoje que ele acompanhava atentamente como crítico de arte muito esforçado, no final da década de 1950 e no começo da década seguinte.

Donald Judd foi pioneiro de um movimento surgido na década de 1960 e que levou o rótulo de 'minimalista'
Donald Judd foi pioneiro de um movimento surgido na década de 1960 e que levou o rótulo de 'minimalista' - Reprodução

Escrever o levou a formar conexões fortes no mundo da arte contemporânea. Permitiu que ele a observasse em ação e considerasse como melhor se posicionar dentro dela. Suas resenhas –detalhistas, prescritivas e rabugentas– eram uma forma de divulgar seu trabalho que também servia como forma útil de autocrítica.

Ao avaliar o trabalho de centenas de outros artistas, muitos dos quais membros de sua geração, ele veio a considerar que suas pinturas –duas delas abriram a mostra no MoMA– não eram, e jamais se tornariam, fortes o bastante para lhe conferir a posição histórica a que aspirava na arte. Ele precisava seguir outro caminho, menos convencional, e por volta de 1960 começou a produzir arte que não tinha paralelos.

Era arte tridimensional, e portanto não era pintura, mas, de acordo com ele, tampouco era escultura. Judd definiu suas novas obras como “objetos específicos” e se limitou a isso.

Todos esses objetos levavam o título “Sem Título”, e ele insistia em que não carregavam metáforas, dados pessoais ou referências do mundo real –os atrativos que a arte tradicionalmente usa para nos atrair.

O primeiro desses objetos experimentais parece muito interessante. De 1961 vem o que consiste essencialmente de uma pintura a óleo toda preta com uma frigideira colada à superfície. Uma pintura que mistura tinta a óleo e areia, datada do ano seguinte, traz uma cor escarlate e uma letra "O" de plástico amarelo –um pedaço de um letreiro comercial que ele encontrou– posicionada de lado no centro da tela. Judd não costumava mencionar o fato de que suas peças praticamente gritavam “olhe para mim!”.

Segundo alguns observadores, a coisa mais interessante que Judd fazia nesse início de trajetória era brincar com o espaço de maneiras incomuns. Uma peça de porte relativamente grande, de 1963, é composta de flanges metálicos (achados em uma loja de material de construção ou em ferro-velho), afixados a um painel de madeira plano, que simultaneamente adere à parede, como um quadro, e se curva sala adentro. E uma peça de parede menor, do mesmo ano, oferece uma previsão das complexidades que viriam.

Mais ou menos do tamanho de uma plaina de carpinteiro, ela consiste de uma unidade semelhante a uma prateleira que sustenta um tubo quadrado. As duas coisas parecem formar uma unidade sólida, plúmbea. Mas há dois furos na “prateleira” que indicam um espaço interior, e contemplar a peça da lateral revela que o tubo é oco e aberto nas duas pontas. Subitamente, a peça parece leve, flutuante. O ar a percorre, e é quase possível sentir isso.

Em seguida surgiu um desenvolvimento ainda mais radical. Judd deixou de fazer arte de modo artesanal. A maior parte dos objetos que estavam na primeira galeria da retrospectiva foram construídos e pintados pessoalmente pelo artista, com a ajuda de seu pai, que era carpinteiro. Mas a partir de 1964 ele começou a usar uma oficina comercial de trabalho com peças metálicas, a Bernstein Brothers, de Manhattan, para executar as peças que ele concebia, empresa que continuaria a fazer isso por anos.

Isso veio na época em que o expressionismo abstrato, um estilo de contato pessoal intenso com a obra, continuava a representar o modelo do que a arte séria deveria ser. Judd foi criticado por transferir a produção de seu estúdio para o que as pessoas presumiam ser uma fábrica. Mas na verdade o envolvimento criativo dele com sua arte continuava intenso.

Todas as suas obras se baseavam em desenhos detalhados (diversos estavam na mostra). Na verdade, desenhar projetos se tornou uma de suas principais ocupações. Além disso, ele escolhia o material, boa parte do qual industrial (metais, plexiglas, tinta acrílica), a ser usado nas novas peças e muitas vezes supervisionava a produção, ou se envolvia no detalhamento dos produtos. Para um artista que não punha as mãos à obra, ele sempre esteve muito presente.

São peças produzidas por essa combinação de presença e ausência do autor que formam a maior parte de uma retrospectiva que abarca mais de 30 anos.

Na segunda galeria, onde começavam a surgir as peças fabricadas industrialmente, víamos a gama completa de formas que viriam a caracterizar o trabalho de Judd. Há peças para parede dotadas de cantos arredondados, com cara de almofadas, e conjuntos de barras de perfil quadrado que se parecem um pouco com equipamento para salto em altura.

A peça de 1963 com a pequena prateleira e tubo reaparece em versões maiores e mais elaboradas, com o túnel de ar horizontal intacto. E há caixas, muitas delas, abertas e fechadas, chatas e volumosas, isoladas ou múltiplas, para exposição no chão ou afixadas a paredes, ou empilhadas umas sobre as outras em estruturas altas.

Diversos desses objetos trazem o que poderia ser definido como efeitos especiais, que não necessariamente se revelam para quem passa rápido por eles. Uma pilha de caixas de aço inoxidável e plexiglas amarelo que sobia pela parede cria um mini-Niagara de luzes. Outra, feita de cobre reluzente, irradiava uma luz amarelada forte. Uma pilha alta de caixas, com componentes pintados de azul férreo, lança sombras e confere ao seu pedaço da galeria um tom crepuscular.

A arte supostamente inexpressiva de Judd projeta muitos climas.

E também tem vida, ou vidas, interior(es). Uma caixa feita de plexiglas cor de mel opaco, posicionada no chão, parecia conter uma forma escura selada em seu interior. Uma fileira de quatro caixas de alumínio ao lado umas das outras na terceira galeria criava uma espécie de barreira. Mas se você as olhasse por uma das pontas, perceberia que elas são ocas e e formam um longo corredor de um azul subaquático.

E há a complexa linguagem dos materiais, em sua maioria de origem industrial, a saborear. Na década de 1970, o compensado de madeira atraiu a atenção do artista e ele usou o material para uma coleção de esculturas volumosas que pareciam uma mistura entre contêineres de transporte e celas monásticas.

Além disso, as placas de madeira em cores naturais que ele selecionou para as peças apresentam ricos padrões orgânicos –grãos que parecem flamejar, nódulos que se assemelham a olhos. Eles exemplificam uma estética do acidente que Judd apreciava.

Na década de 1980, ele transferiu temporariamente a fabricação de suas peças a uma empresa na Suíça. Ao mesmo tempo, introduziu um arco-íris de cores festivas –verde floresta, amarelo forte, rosa– em esculturas de alumínio, como se estivesse recuando ao jeito excêntrico que caracterizava seus primeiros objetos, aqueles que ele ainda produzia pessoalmente.

Quando seus últimos trabalhos começaram a aparecer, ele já havia há muito tempo assumido identidades que tanto desejava quanto não desejava. Havia se tornado uma figura histórica, citada em livros, mas também parte de um passado que muitos artistas jovens não conheciam, ou do qual não precisavam.

Quando ele morreu, os elementos que havia tentado excluir de sua arte –narrativa, personalidade, emoção– estavam de novo em voga. Boa parte de sua escrita tardia parece zangada e amarga –em parte, suspeito, porque Judd sabia que já não gerava notícias.

Ele continua longe dos holofotes. Como modelo para os jovens artistas atuais –em um mundo que reconhece múltiplas histórias e não tem interesse algum por “ismos”–, ele parece encarcerado no passado, como muitos de seus contemporâneos que amadureceram mais de meio século atrás.

Para simplificar, é possível dizer que eles viviam em um planeta da arte menor, menor a ponto de permitir que ainda tivessem fé na próxima grande coisa. No presente, dominado pelo mercado, é difícil até imaginar que alguém pense assim.

Mas é bom ver que o nome de Judd está de volta, não só no MoMA mas em outros lugares (antes da pandemia do novo coronavírus havia diversas exposições menores em Nova York, para complementar a retrospectiva). E é agradável reportar que, de muitas maneiras, ele continua a ser notícia.

Sua arte, no passado vista como severa demais para oferecer prazeres (ou mesmo para ser considerada arte) agora parece oferecer prazeres, visuais e conceituais, que qualquer audiência de olhos abertos pode reconhecer e aos quais os artistas jovens talvez possam aspirar.

Judd, o crítico, certa vez disse que, para que a arte importe, “ela só precisa ser interessante”. A dele é.

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