Strippers e drags desafiam as redes sociais, que barram sexo e nudez, para sobreviver

Profissionais ampliam público, mas temem que transmissões sejam derrubadas por violações de regras e direitos autorais

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São Paulo

O desafio da proibição de nudez nas redes sociais faz parte do show de strip-tease de Roh Camilo.

Ao se apresentar no início do mês pelo Instagram do bar Queen, casa noturna do centro de São Paulo, o performer fez uma primeira entrada em que se despiu da fantasia de marinheiro até a sunga. A apresentadora da live pediu que ele parasse. "Solta a cobra", disse um espectador.

Camilo então saiu de cena e, quando voltou, ficou totalmente pelado, com o pênis ereto, por alguns segundos. Neste momento, os comentários do público estavam desativados, de tal forma que nenhum elemento digital poderia cobrir a imagem de seu corpo musculoso.

A apresentadora comemorou a “vitória”, ou seja, que a live não tinha sido derrubada pela rede social na cena mais picante. Quando a caixa de comentários foi liberada, uma pessoa pediu que deixassem a live disponível para ser vista novamente. Cerca de 250 pessoas estavam conectadas.

O artista Felix Gonzalez-Torres instalou uma plataforma em uma galeria de Nova York, sobre a qual go-go boys podiam se apresentar
O artista Felix Gonzalez-Torres instalou uma plataforma em uma galeria de Nova York, sobre a qual go-go boys podiam se apresentar - Reprodução

A empolgação com que os espectadores recebem as transmissões ao vivo de shows de strip-tease e de performances de drag queens no Instagram mostra o quão sedento o público —trancado em casa há quatro meses por causa da pandemia— está por diversão.

E a boa audiência, em geral na casa das centenas mas podendo chegar a milhares de pessoas, em alguns casos, escancara o quanto esses performers dependem das lives para manter seu nome ativo no mercado num momento em que as casas noturnas estão fechadas. Não há previsão para a reabertura de clubes na cidade de São Paulo, embora eventos com aglomeração devam voltar a ocorrer em outubro.

O retorno financeiro das transmissões para os artistas, no entanto, é baixo. Diferente das apresentações nos palcos, a interação com o público é bastante limitada, e há ainda o constante temor de que a live seja derrubada.

“Adoro dançar, adoro me sentir gostoso. Você tem que se sentir gostoso para poder passar isso para as pessoas”, diz Camilo. Ele acrescenta que não cobra para tirar a roupa em lives. Seu propósito é ajudar as casas noturnas nas quais se apresenta e transferir para causas sociais o pouco dinheiro que recebe em doações dos espectadores, em torno de R$ 100.

A performer burlesca Jelly Bunny também já abriu mão do dinheiro que recebeu via “chapeuzinho virtual” —montante que os espectadores depositam na conta bancária do artista ou da casa noturna— em prol de causas sociais. Segundo ela, o público deveria se habituar a pagar pelos shows online.

“As artistas burlescas internacionais, pelo próprio link do Instagram delas, têm o Paypal [sistema online de pagamento], como quem diz ‘gostou do meu trabalho, então paga uma gorjeta’. Quando comentei com o grupo das meninas aqui, o pessoal ficou meio confuso. As pessoas [no Brasil] realmente não têm essa consciência, de olhar para um artista e dizer ‘estou consumindo o trabalho dele neste momento’.”

Independente do valor arrecadado, Bunny diz que as lives têm ajudado a manter o seu trabalho vivo num período em que o palco fervilhante das casas noturnas, diante do calor da plateia, foi substituído pela sala de casa com a fria tela de um laptop.

Além disso, suas apresentações sugestivas —nas quais dificilmente a calcinha sai de cena e os seios ficam protegidos por tapa-mamilos— ajudam a estética burlesca a atingir um público maior e a trazer novos trabalhos para a performer.

A possibilidade de ampliação da audiência é um dos pontos positivos dessa modalidade. O número de espectadores de uma live pode ser de cinco a seis vezes a capacidade de uma casa noturna. As transmissões do Cabaret da Cecília —clube no centro de São Paulo— reúnem entre 500 e 600 espectadores, bem mais dos 100 que a casa pode abrigar, segundo Tiago Santos, um dos sócios.

Mas se o contador da audiência dispara, não há no online o “olho no olho, a sensualidade, a presença”, acrescenta Santos. O performer Camilo relata sentir falta de deixar as pessoas encostarem em seu corpo durante a apresentação e de passear entre as mesas enquanto tira a roupa. Seus shows presenciais se estendem por três ou quatro músicas, enquanto o virtual dura só uma.

“Num show, eu me preocupo em passar óleo no corpo, para ficar com a pele mais macia; para a live, quero estar com a pele boa, sem mancha. Quando estou com uma espinha no peito, passo uma base.”

Segundo a drag Paolla Berklyn, o bom de se apresentar de casa, longe do público, é que, às vezes, “da metade para cima você está montado e da metade para baixo está de cueca”.

Numa live que fez há pouco mais de duas semanas, Berklyn, vestida de maiô azul, dançou com um urso de plástico e comeu salgadinho antes de simular sexo oral num consolo verde acoplado ao brinquedo.

A drag acrescenta que o ambiente tranquilo da sala ou do quarto também impede que ela seja oprimida ou sofra com a transfobia quando precisa pegar o metrô ou o ônibus já produzida para um show, situação que afirma ter passado algumas vezes. Numa delas, sofreu até violência física.

Uma grande preocupação relatada pelos profissionais é ter as transmissões derrubadas na metade ou suas contas na rede social suspensas ou desativadas, o que torna fazer as lives um constante andar na corda bamba virtual.​

Em relação aos strippers, o Instagram proíbe a publicação de vídeos com nudez, incluindo genitais, closes de nádegas e mamilos femininos, de acordo com os termos de uso das redes. Estão vetadas também apresentações de strip-tease e de danças eróticas, bem como imagens de excitação sexual.

Segundo as drag queens, a questão é outra, em geral relacionada ao uso de uma música para a qual não se tem o direito. Neste caso, a tecnologia da rede social alerta o usuário com uma notificação na tela, avisando que a transmissão pode ser interrompida ou ficar muda.

“Quando vou fazer alguma música, geralmente modifico de alguma forma. Uso um remix ou acabo cortando e juntando com outra, ou distorcendo um pouco a voz do cantor. Isso acaba ajudando na hora de não derrubar lives”, conta Verona Moon, que traz uma estética gótica e algo macabra para seus shows.

Com quase 10 mil seguidores, Moon afirma ter nas lives uma fonte de renda que, embora seja em média 50% menor do que o valor que receberia numa noite de apresentações em baladas, é o suficiente para pagar suas contas e os custos de sua personagem.

“Fazer drag é muito caro. A drag é outra pessoa, e essa outra pessoa consome muita maquiagem e muitos figurinos. Nada é barato.” Ela dá “graças a Deus” por nunca ter tido uma transmissão tirada do ar.


Drags e strippers que fazem lives

Verona Moon @moonverona - seus shows se inspiram em filmes de terror e em sentimentos como o medo

Paolla Berkley @paolladrag - traz elementos cômicos e infantis para performances com ursinhos

Jelly Bunny @jellybunnyburlesque - performances burlescas com corpos diferentes do padrão de beleza

Kira @onlykir4 - se maquia como elfo e usa referências de desenhos animados

Tenebraria @tenebraria - se define como “a mãe da escuridão” em seu perfil

Roh Camillo @rohcamillo08 - se vale de fetiches tradicionais, como figurinos de segurança e bombeiro

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