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Beyoncé mergulha de cabeça no afrofuturismo no álbum 'Black Is King'

Novo álbum visual de Beyoncé é manifesto pela beleza negra que eleva a estética afrofuturista à máxima potência pop

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Quando subiu ao palco do Grammy há três anos para cantar o medley de “Love Drought” e “Sandcastles”, canções do disco “Lemonade”, Beyoncé, grávida de gêmeos, homenageava a orixá Oxum com sua coroa e projeções de tom amarelo.

No ano seguinte, no festival Coachella, surgiu com roupa prateada e turbante inspirados na rainha egípcia Nefertiti. Ainda na era "Lemonade", dessa vez no clipe de “Sorry”, pintou a pele das dançarinas com a obra do artista nigeriano Laolu Senbanjo.

O novo álbum visual da americana, “Black Is King”, recém-lançado no Disney+ e inspirado na história do remake de “O Rei Leão”, do ano passado, em que a cantora dá voz a Nala, vem como o ponto de expressão mais alto daquilo que influencia sua carreira nos últimos anos.

Ao dedicar um filme à ancestralidade, Beyoncé se aprofunda ainda mais no afrofuturismo –estética que questiona o presente e projeta o futuro a partir da perspectiva negra africana e diaspórica.

Retrato de Beyoncé, que usa vestimenta dourada, em um fundo preto
Beyoncé em cena de seu novo filme 'Black Is King' - Reprodução

Seguindo o caminho de artistas como o precursor do movimento, Sun Ra, de Janelle Monáe e de sua própria irmã, Solange, a cantora propõe, ao longo de 85 minutos escritos, dirigidos e produzidos por ela —ao lado de um time de cineastas de países africanos— uma narrativa em que as pessoas negras são, todas, reis e rainhas.

Enquanto Beyoncé canta as 14 faixas do álbum “The Lion King: The Gift” lançado no ano passado, acontecimentos de “O Rei Leão” ganham novas interpretações com a jornada de um menino que vira rei enfrentando adversidades.

O respeito a todas as criaturas ensinado por Mufasa, por exemplo, aparece como uma mensagem à humanidade. O começo do relacionamento entre Simba e Nala, retratados na infância e na vida adulta, se expande para uma reflexão sobre como os homens negros não costumam ser ensinados a se amar e também para uma ode às mulheres na canção “Brown Skin Girl”, que tem a participação da filha, Blue Ivy, da ex-Destiny’s Child, Kelly Rowland, e de sua mãe, Tina Knowles-Lawson. Ainda aparecem Naomi Campbell e a atriz Lupita Nyong'o, citadas nos versos da música.

Os famosos takes da savana africana da animação ainda ganham vida com paisagens grandiosas de países como Gana e Nigéria, boa parte das vezes com Beyoncé centralizada e sozinha na natureza, em lugares como cachoeiras, oceanos, rios e dunas gigantes.

O disco que serve de fio condutor do filme explora o afropop, o hip-hop, o R&B e o dancehall com colaborações dos americanos Jay-Z, Childish Gambino —que dubla Simba—, Kendrick Lamar e Pharrell Williams, mas também dá espaço para brilharem talentos como os nigerianos Tekno e Yemi Alade, que cantam em “Don’t Jealous Me”, e Tiwa Savage, que aparece em “Keys to the Kingdom” e já tinha trabalhado com Beyoncé no passado.

Menos empolgante em termos sonoros que o antecessor, “Lemonade” (2016), “The Gift” ganha gás extra com o lançamento de seu braço visual, que dá mais sentido às músicas e acompanha a onda de protestos do movimento Black Lives Matter detonada pelo assassinato do americano George Floyd pela polícia em maio.

A canção “Black Parade”, liberada pela cantora no dia celebração da emancipação dos escravos nos Estados Unidos, virou um dos hinos das manifestações e acabou entrando na versão de luxo da trilha do remake. Beyoncé ainda reforça o lado político da obra em alguns momentos, como quando recria a bandeira dos Estados Unidos nas cores vermelho, preto e verde para simbolizar o pan-africanismo –ideologia que busca a unidade entre os povos de países africanos– e canta em iorubá ou na língua suaíli.

Se as falas de personagens de “O Rei Leão” que guiam a história entre as canções podem soar como uma extensão publicitária do filme só para lembrar que se trata de um produto da Disney, o roteiro inédito nas vozes de Beyoncé e de outras pessoas —recurso que ela também usa com sucesso em “Lemonade”— tornam a narrativa mais poderosa e deixam evidente que a obra funciona melhor quando flutua para longe do conglomerado de Hollywood e se aproxima do mais vasto universo de Beyoncé.

Frases como “que o preto seja sinônimo de glória” e “eu nos vejo refletidos nas coisas mais celestiais, preto é rei, nós éramos a beleza antes de eles saberem o que a beleza era” aparecem seguidas de cenas como a de quando a cantora carrega um bebê no colo —numa referência à história bíblica de Moisés, que é abandonado num cesto— e a de amigos de infância que descobrem que se amam.

Em momentos como esses, é preciso forçar a conexão de que aquelas histórias evocam as de Simba e Nala, e olhos menos atentos à história do leão podem se esquecer dessa referência com facilidade.

Muito mais naturais são as cenas em que a artista conta suas próprias versões de forma mais independente, como naquelas em que brinca com Blue Ivy, canta com Kelly Rowland, brinda com a família num café e mostra suas doses de ironia ao lado do marido.

Em “Mood 4 Eva”, que tem as participações de Jay-Z, Gambino e da maliana Oumou Sangaré nos vocais, ela acorda numa mansão ao som de um violino, têm os dentes com pedras brilhantes escovados por um mordomo branco, mergulha na piscina e posa com o marido em frente a uma pintura dela mesma, numa referência ao clipe de “Apes**t”, gravado no Louvre, em Paris.

Tema oficial do remake, “Spirit”, é desconstruída com seu começo e fim dentro de uma igreja, sem instrumentos musicais, só com as vozes de Beyoncé e de um coral preenchendo o ambiente e encerrando o filme, dedicado ao seu filho Sir Carter.

É uma das vezes em que ela mostra o seu poder e retoma a narrativa com seu melhor recurso. Depois de afirmar que é “Beyoncé Giselle Knowles-Carter, Nala, Oxum, rainha de Sabá e mãe”, lembra que também é o futuro.

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