DJ revelação da noite paulistana lança disco feito com instrumentos de brechó

Músicas de primeiro álbum de Juliana Frontinn têm clima gélido e atmosfera repetitiva

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Para compor seu primeiro disco solo, a DJ e produtora Juliana Frontinn comprou um teclado Casiotone na Barra Funda e uma mesa de som no Bixiga, além de uma série de equipamentos analógicos de segunda mão. O objetivo, ela afirma, era explorar nas músicas a relação entre ruído e sinal.

“Sinal é a música, o som que você quer ouvir, e ruído é tudo o que atrapalha essa recepção do sinal, que interrompe, uma coisa meio indesejada. Nesse álbum, a ideia era que o ruído fosse tão importante quanto o sinal”, diz.

Os dois elementos vieram dos instrumentos encontrados em brechós que usou para criar as oito faixas de “Underlying Problems”, álbum de música eletrônica recém-lançado nas plataformas digitais pelo selo paulistano ODDiscos.

A DJ e produtora musical Juliana Frontinn
A DJ e produtora musical Juliana Frontinn - Marcelo Mudou

A diferença em relação a outros produtores do gênero é que a carioca incorporou nas faixas do disco as imprecisões geradas pelos equipamentos, em vez de apagar essas marcas em busca de um som cristalino —segundo ela, uma preocupação constante da tecnologia digital.

O resultado são 50 minutos de um som glacial e atmosférico, difícil de encaixar num gênero musical específico. O disco, contudo, não ficaria fora de lugar nos galpões industriais paulistanos nos quais Frontinn se apresenta como DJ. Em geral, ela toca no começo da festa, já que sua discotecagem gira mais em torno do clima e não do êxtase que a música eletrônica causa no público.

Vivendo em São Paulo há quatro anos —onde viu sua carreira como DJ decolar—, Frontinn, que tem 29 anos, afirma gostar de “criar espaços vazios e de frustrar um pouco a expectativa das pessoas” que estão na pista de dança, mas reconhece que ali é onde entende como a música existe e afeta o comportamento das pessoas.

“Underlying Problems” foi idealizado e composto entre o segundo semestre do ano passado e fevereiro deste ano, em São Paulo, e finalizado no período de distanciamento social.

Mesmo que tenha surgido durante a pandemia, não há qualquer referência ao coronavírus no álbum, embora os títulos das faixas sejam apropriados para o clima sombrio do momento, a exemplo de “Physical Separation”, ou separação física, “Anticipating Instability”, antecipando instabilidade, e “Collective Denial”, negação coletiva.

Formada em desenho industrial e com passagem pela Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no Rio de Janeiro, Frontinn fez sua estreia como DJ aos 16 anos na Fosfobox, um inferninho em Copacabana.

Nos anos seguintes, passou a frequentar a loja de discos Plano B —que reunia os aficionados por música atonal e barulhenta numa casa na Lapa carioca—, antes de se envolver como instrumentista no grupo de música experimental Rádio Lixo.

Quando se mudou para São Paulo, conheceu a turma da festa ODD e virou DJ residente da noite, uma das mais importantes do cenário alternativo da cidade. Também expôs um trabalho de arte sonora numa coletiva no Centro Cultural São Paulo, há quatro anos.

"Underlying Problems" foi inspirado pela música minimalista do produtor finlandês Kim Rapatti —que fazia tecno repetitivo anos antes de esse tipo de som virar moda— e pela leitura do ensaio “A Estética do Barulho”, em que o acadêmico dinamarquês Torben Sangild explora a overdose sonora de bandas como My Bloody Valentine e Sonic Youth.

O clima distópico da sonoridade de Frontinn parece se relacionar com a imagem da capa do disco, que mostra dois homens andando num ambiente vazio e iluminado por luz branca, numa cena de atmosfera dura. A fotografia foi tirada do média-metragem “Elephant”, de 1989, dirigido pelo britânico Alan Clarke.

No filme, a câmera acompanha uma série de assassinatos ocorridos durante as décadas de violência separatista na Irlanda do Norte, na segunda metade do século 20, mas o roteiro não investiga as vidas dos criminosos ou das vítimas —só entrega ao espectador uma repetição de mortes à queima-roupa.

Frontinn compara sua música com a reiteração desprovida de sentido do filme, afirmando que suas composições são “super-repetitivas, quase um mantra, ficam girando e não chegam muito assim a algum lugar”.​

Underlying Problems

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.