“Princípio segundo o qual tudo no universo, até mesmo a vontade humana, está submetido a leis necessárias e imutáveis, de tal forma que o comportamento humano está totalmente predeterminado pela natureza, e o sentimento de liberdade não passa de uma ilusão subjetiva.”
É assim que o dicionário define o termo “determinismo”, conceito da filosofia que está no centro da nova minissérie “Devs”, que chega ao Brasil agora pelo canal Fox Premium.
A crença de que tudo o que se passa à nossa volta, bem como nossas próprias ações, já estavam determinados a acontecer guia os personagens da ficção científica, ambientada num Vale do Silício vigiado por uma estátua gigante —e um tanto macabra— de uma menina.
Ela é o símbolo da Amaya, empresa de tecnologia chefiada pelo excêntrico Forest, papel de Nick Offerman —uma espécie de Steve Jobs ainda mais recluso e com um guarda-roupa mais diversificado. Um de seus principais cientistas é Sergei, vivido por Karl Glusman, que, após ganhar uma promoção para trabalhar com computação quântica na área mais secreta da companhia, desaparece.
É aí que sua namorada, Lily, papel de Sonoya Mizuno, uma funcionária menos prestigiada da Amaya, decide investigar o que aconteceu e o que realmente se passa por trás das portas do laboratório hiper-restrito, selado a vácuo, da empresa.
O roteiro futurista e por vezes difícil de acompanhar é fruto da mente de Alex Garland, britânico com um já consolidado currículo na ficção científica. Ele escreveu e dirigiu os longas “Ex_Machina: Instinto Artificial” e “Aniquilação” e também adaptou “Não me Abandone Jamais” para os cinemas.
Nesses trabalhos, e também na nova série, ele brinca com conceitos complicados da ciência, passeando pelas tramas com uma visão decadente da sociedade e tecendo críticas sociais. Entre máquinas e criaturas estranhas, ele ainda encontra espaço para falar de humanidade.
“Eu sabia que iria trabalhar com essas grandes ideias sobre tecnologia, como computação quântica e a filosofia do determinismo, mas eu também sabia que essas ideias precisariam ser habitadas por pessoas”, diz Garland. “E o que são as pessoas? Basicamente criaturas emocionais, que se amam.”
“Então, contra esse grande pano de fundo perturbador sobre tecnologia de ‘Devs’, você encontra elementos simples, como uma garota que ama um garoto. No fim, é sobre isso que a história realmente fala, e os conceitos científicos e filosóficos são apenas o panorama.”
Se mesmo assim a filosofia por trás de suas obras assustar, o cineasta afirma que, ao elaborar roteiros a partir de conceitos complexos e acadêmicos, ele está, na verdade, tratando de temas que povoam nosso dia a dia.
Essa também é a justificativa para que ele rejeite a pecha de futurólogo. Segundo ele, mesmo que pareça que suas tramas brinquem com prováveis evoluções (ou involuções) da nossa sociedade, elas refletem sobre movimentos que já estão em curso.
“Não é difícil pensar nessas histórias, porque esses temas se apresentam para nós de forma constante. Qualquer site ou jornal hoje em dia vai trazer notícias sobre os excessos e os avanços acontecendo na área da tecnologia. E algumas dessas coisas têm implicações muito óbvias”, afirma.
É a partir desse raciocínio que surgiu a ideia de construir um seriado em torno do conceito de determinismo —o que, num primeiro momento, pode parecer pouco cinematográfico, principalmente para um programa que recebeu indicações a melhores efeitos especiais e edição e mixagem de som no Emmy.
“O que me chamou atenção na ideia de um universo determinista é justamente a possibilidade de isso ser verdadeiro. Há vários argumentos fortes para que seja”, explica. Segundo a teoria e os próprios personagens de “Devs”, os seres humanos estariam se enganando, desde sempre, ao basearem suas ações no livre-arbítrio, algo impossível em um mundo regido por uma versão inflexível da lei de ação e reação.
“Quando você começa a pensar seriamente sobre não ter livre-arbítrio, você encontra um ótimo espaço para uma narrativa. Isso porque todos os tipos de coisas, do ato de se apaixonar até o de cometer um assassinato, viram de cabeça para baixo. E aí você é forçado a olhar para coisas muito familiares de forma diferente.”
Na visão de Garland, é a proximidade entre o conceito que rege “Devs” e a nossa realidade que torna o seriado tão fascinante.
“Existe um tipo de ficção científica, que é ótima e que eu amo, que fala sobre coisas que não têm a menor chance de acontecerem num futuro próximo. Enquanto que ao explorar essa suposta ausência de livre-arbítrio, estamos falando de algo que poderia ser absolutamente real neste instante. É um tipo de ficção científica filosófica que tem uma ligação com as vidas que estamos levando, ao contrário de uma ópera espacial."
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