O leitor talvez se lembre de quando uma famosa frase sobre um pedido de ajuda no transporte público africano era o que de mais ousado havia no mundo dos palíndromos, aquelas palavras ou frases que são iguais quer sejam lidas da esquerda para a direita ou vice-versa.
“Socorram-me, subi no ônibus em Marrocos”. Pois, com as redes sociais, tudo atingiu um novo nível.
Depois de ganhar popularidade no Twitter, é agora no Instagram que o mineiro Ricardo Cambraia, 57, exibe suas criações impressionantes sob a alcunha de O Palindromista.
A escrita na “via de mão dupla”, como ele define, vem acompanhada de montagens com fotografias relacionadas ao tema escolhido. E, quase sempre, a escolha recai sobre política.
Em julho, um dos palíndromos mais populares publicados por Cambraia preconizava uma versão da nota de R$ 200: de um lado, Jair Bolsonaro de máscara, segurando uma caixa de cloroquina; do outro, o animal mais famoso dos últimos tempos. “Ame a danada ema!”, indicava a legenda.
Formado em história pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), ele diz ter facilidade com a matemática, o que o ajuda na invenção dos palíndromos.
“Fiz toda a base do curso de engenharia civil. Cálculo, geometria analítica. Como dizia meu pai, com uma ironia de verniz antigo e um desgosto profundo, ‘o Ricardo, quando não quis estudar, largou a engenharia para fazer história. E quando não quis trabalhar, virou diretor do sindicato’”.
Cambraia foi sindicalista do setor bancário em Belo Horizonte, membro da militância partidária nos anos 1990 e servidor federal do Tribunal de Contas da União em Brasília. Aposentou-se em 2019.
Foi no final da década de 1980, durante as reuniões e negociações da pauta sindical com a direção do Banco do Brasil, que um colega lhe passou um papel em que havia escrito um palíndromo de autoria de Chico Buarque: “Até Reagan sibarita atira bisnaga ereta”.
“A partir dali, comecei minhas aventuras nessa praia e não consigo achar o caminho de volta”, diz.
Antes esporádicos, os palíndromos se tornaram regulares há uma década. “Muitas vezes como estratégia para tirar o foco de dores crônicas de cabeça, decorrentes de uma síndrome genética só recentemente diagnosticada”.
Em 2018, Cambraia estreou no Twitter, “fazendo palíndromos a quente”. “Chegava a postar 50, 60 palíndromos por dia. Os melhores eram levados no dia seguinte para o Instagram. Já não posto mais no Twitter, onde cheguei a ter mais de 7.000 seguidores, mas bebo muito da fonte”.
O palindromista explica que sua produção atual vai do lúdico ao poético, do boêmio ao filosófico. “Além de ter muita coisa surreal”, acrescenta. Ainda neste mês, ele deve terminar a editoração de um livro com seus melhores palíndromos organizados por temas.
Casado com uma jornalista, o palindromista é pai de Felipe, 15, e Mariana, 9. A filha vive insistindo para que ele escreva um livro infantil em forma de palíndromos.
“Ela exige diariamente”, conta Cambraia, “desde que ela produziu o incrível palíndromo ‘o ioiô’, a prova final de que, na palindromia, tamanho não é documento”.
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