SP-Arte estreia versão online depois de meses de brigas e mal-estar com galeristas

Feira sofreu baixas de peso e casas ameaçaram com boicote para reaver dinheiro gasto no evento físico cancelado

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São Paulo

A turbulência que estremeceu nos últimos meses as relações entre galeristas e a SP-Arte ficou no passado. Pelo menos é isso que dizem os marchands que participam da versão online do evento, que começa agora.

Os embates começaram no final de abril, quando cerca de metade das galerias de arte e design que participariam da feira no parque Ibirapuera, suspensa por causa do coronavírus, se uniram para exigir seu dinheiro de volta —a SP-Arte tinha anunciado que só ressarciria de imediato um terço do investimento dos galeristas, quantias que começavam nos R$ 20 mil e podiam ultrapassar os R$ 100 mil.

O conflito terminou quando, depois de mais de um mês de negociações, a organização recuou e anunciou que devolveria os valores na íntegra. Mas a feira logo voltou a ser atacada, ao divulgar a cobrança de uma comissão sobre vendas da feira virtual —ao contrário da sua encarnação física, o modelo online não usou verbas de leis de incentivo, de acordo com a organização.

Ainda assim, uma boa parte do setor acabou decidindo participar da edição. Ali, estarão reunidas 106 galerias de arte, cerca de 12% a menos que as 120 do ano passado.

As baixas mais notáveis são de grandes casas estrangeiras, como a americana David Zwirner, a britânica Lisson e a alemã Neugerriemschneider. Estas podem ser explicadas em parte pelo fato de que, até agora, o pedido de isenção de certos impostos cobrados sobre as obras vendidas por galerias de fora, o mais tradicional atrativo da feira, considerada a mais importante do hemisfério sul, não foi aprovado pelo governo paulista.

Também ficaram de fora nomes poderosos do circuito nacional, como Luisa Strina, Bergamin & Gomide, e Paulo Kuczynski Escritório de Arte, as duas últimas centradas no mercado secundário, que em geral lida com obras de artistas já consagrados.

À frente da Arte 57, do mesmo ramo, Renato Magalhães Gouvêa Júnior afirma que decidiu não participar da feira com obras do tipo. Ele afirma que escancarar preços como exigido pelas plataformas desses eventos virtuais pode prejudicar negociações sigilosas. Por isso, decidiu participar do evento com uma seleção de fotografia, ele conta.

Dessa forma, se no mercado secundário seus preços começam nos R$ 50 mil, na SP-Arte esse é o valor máximo das imagens que exibe. Já os preços iniciais saem bem mais em conta, e variam dos R$ 5.000 aos R$ 15 mil, de artistas como Luca Pucci, Gustavo Lacerda e Guilherme Ghisoni.

Já os galeristas de arte contemporânea contam que a estratégia de agora é a mesma das outras edições da SP-Arte. Misturas de nomes históricos e contemporâneos e seleções com preços variados, começando nos R$ 20 mil e chegando às centenas de milhares de reais, são lembradas por Alexandre Gabriel, da Fortes d’Aloia & Gabriel, e Alexandre Roesler, da Nara Roesler.

E mesmo se a crise econômica e sanitária não permite alimentar grandes expectativas, e as obras vistas na tela do computador têm bem menos charme do que ao vivo, eles se dizem esperançosos.

Afinal, argumentam, os quase seis meses que se passaram desde o início da pandemia no país fizeram deste um bom momento para a feira, com o mercado aos poucos voltando a se movimentar.

Além disso, dizem que a SP-Arte rende bons resultados historicamente, já que mesmo clientes fiéis tendem a ficar mais entusiasmados com a intensa agenda de conversas e exposições —ainda que num volume menor, isso também migrou para o online.

Lucas Cimino, da galeria Zipper, afirma que o peso do nome e os mais de 15 anos de experiência tornam o potencial de sucesso da SP-Arte maior do que o das outras feiras virtuais dos últimos meses, como a Not Cancelled e a Arte da Quarentena, da ArtSoul.

Ao contrário delas, diz o galerista, a feira mantém contato com uma ampla rede de colecionadores e investiu na plataforma. Sua interface, aliás, lembra aquela desenvolvida pelo conglomerado Art Basel e permite buscas personalizadas e visualizações das obras numa escala humana, além de incluir textos, vídeos e áudios explicativos nos estandes das galerias.

“Se vai dar certo ou não, não sei. Mas acredito ser a melhor tentativa possível”, diz Cimino.

As ferramentas da plataforma virtual não serão as únicas armas das galerias para seduzir colecionadores indecisos.

A Fortes d’Aloia & Gabriel instalou obras num apartamento e fotografou o ambiente, no que definiu como um “convite ao prazer sensorial”. Luciana Brito, Casa Triângulo e Nara Roesler mostram as mesmas obras nos seus estandes virtuais e nos seus espaços físicos, que podem ser visitados com hora marcada. Roesler ainda montou no seu site apresentações de cada um dos 14 artistas que expõe na feira.

E se as vendas continuam no centro do evento, ele não deixa de ser uma oportunidade de ver o que os artistas vêm criando durante a quarentena. Seguindo a tradição do evento físico, muitos galeristas pedem aos seus representados obras inéditas.

Em alguns dos estandes, isso significou trabalhos diretamente ligados ao sombrio cenário do coronavírus no país.

É o caso da mochila idêntica à carregada pelos entregadores de aplicativos de Marcelo Cidade na galeria Vermelho.

Ou de “Bandalha” de André Parente, apresentada no estande da galeria Jaqueline Martins. A obra consiste numa bandeira do Brasil em que as linhas foram substituídas por frases que chamaram atenção no noticiário recente —o lema de ordem e progresso, por exemplo, foi substituído pela frase “é só uma gripezinha”.

bandeira do brasil em preto com delineado com frases de Bolsonaro sobre o coronavírus em amarelo
'Bandalha #4', obra de André Parente de 2020 exibida no estande da Galeria Jaqueline Martins da edição virtual da SP-Arte - Divulgação

Martins diz que essa é também uma brecha para desviar os olhos do público e da crítica das questões que o mercado de arte enfrentou na quarentena para as obras de fato, o que torna o evento relevante.

“Espero muito vender, meus colegas também”, ela afirma. “Mas, sem falso romantismo, talvez a melhor oportunidade que a SP-Arte possa nos trazer é reconectar a nossa comunidade e trazer pautas que não sejam sobre os problemas dos últimos meses.

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