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Televisão

Xênia Bier abriu caminho para mulheres dizerem o que pensam na televisão

Apresentadora, que morreu aos 85 anos, era conhecida pelo estilo direto, sem firulas nem papas na língua

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Todas as tardes, Xênia Bier lia diante das câmeras cartas enviadas pelos telespectadores para seu programa “Xênia e Você”, uma das maiores audiências da Bandeirantes —o nome Band só viria anos depois— na década de 1970. A maioria pedia conselhos, que ela não se furtava a dar —e era tão sincera que, às vezes, chegava a ser ríspida.

Uma amiga minha decidiu testar a paciência de Xênia. Mandou uma mensagem carregada de críticas à apresentadora e assinou com um pseudônimo, “Rosa Raposo”. Passados alguns dias (não havia email na época), a carta chegou ao seu destino, e Xênia não teve o menor pudor de ler no ar, ao vivo e em cores. Deu o troco na hora. Desancou “Rosa Raposo” e desancaria ainda mais se soubesse que se tratava de uma adolescente que não tinha a coragem de usar o próprio nome.

A apresentadora Xênia Bier
A apresentadora Xênia Bier - Folhapress

Coragem era o que não faltava a Xênia, apesar de ela também usar um pseudônimo —em seus documentos era Vilma Barreto, sem a sonoridade exótica da alcunha pela qual ficou conhecida.

Como muitos dos talentos das primeiras décadas da televisão brasileira, Xênia também era polivalente. Formada em jornalismo, estreou como apresentadora na TV Cultura em 1959, ao lado de Ney Gonçalves Dias. No mesmo canal, ainda se arriscou como atriz em novelas —“As Professorinhas”, “Escravas do Silêncio” e “O Moço Loiro”, todas de 1965.

Mas foi como condutora de programas para o público feminino que encontrou sua voz. Num país onde já brilhavam estrelas do talk show como Hebe Camargo, Lolita Rodrigues e Edna Savaget, ela se impôs pelo estilo direto, sem firulas nem papas na língua.

Xênia já era feminista num tempo em que ainda se discutia se uma mulher deveria trabalhar fora de casa. Defendia a independência e a assertividade femininas em plena ditadura militar, quando qualquer crítica ao status quo era vista como uma ameaça à moral e aos bons costumes.

Nascida em São Paulo, em 1935, construiu toda a sua carreira na cidade. Mas se tornou conhecida no país a partir de 1968, quando “Xênia e Você” estreou na Bandeirantes. Em 1980, o sucesso do programa era tamanho que a emissora decidiu mudar a atração da faixa vespertina para as noites de sexta-feira, um horário muito mais nobre. O resultado foi um barulhento protesto em frente à sede do canal no bairro do Morumbi, feito por fãs inconsoláveis com a troca.

A polêmica não durou muito tempo, porque Xênia foi chamada pela Globo. Entre 1981 e 1984, ela fez parte do histórico “TV Mulher”, ao lado de Marília Gabriela, Clodovil, Marta Suplicy e do mesmo Ney Gonçalves Dias com quem estreou na televisão. Aparecia apenas alguns minutos por dia, mas manteve a verve e a desfaçatez que a fizeram famosa.

Depois ainda passou pela extinta TV Manchete, no “Mulheres 88”, sob a batuta de Nilton Travesso, o criador do “TV Mulher”. E encerrou sua longa carreira televisiva no “Mulheres”, da TV Gazeta, que comandou ao lado de Ione Borges na década de 1990.

A esta altura, Xênia não era mais um nome de expressão nacional. Saiu discretamente do ar, mas ainda teve uma sobrevida assinando colunas nas revistas Ana Maria e Contigo e no portal M de Mulher.

Sofrendo da doença de Alzheimer, Xênia Bier se retirou da vida pública no início deste século. Sua morte nesta segunda, aos 85 anos, surpreendeu quem não tinha notícias dela há muitos anos. Deixa uma filha, uma neta e um poderoso legado, que persiste em todas as apresentadoras que conseguem exprimir aquilo que pensam.

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