Descrição de chapéu The New York Times

Ator de 'Pose', Jason Rodriguez usa o voguing a favor de negros gays e trans

Coreógrafo encara a performance da dança surgida nas boates do Harlem como uma mensagem de esperança à juventude

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Da esquerda à direita, Jason Rodriguez, Jose Rodriguez, Ashlynn Roche e Samer Ridikkuluz em Nova York

Da esquerda à direita, Jason Rodriguez, Jose Rodriguez, Ashlynn Roche e Samer Ridikkuluz em Nova York Mohamed Sadek/The New York Times

Gia Kourlas
The New York Times

Jason Rodriguez está preocupado. Não por motivos pessoais —o dançarino, ator e coreógrafo está se saindo bem durante a pandemia. A preocupação dele é com alguns integrantes da comunidade LGBT, especialmente os jovens trans negros.

“Eles podem ter sido forçados a voltar para casa e estarem em um espaço onde não podem ser quem são, em que as famílias limitam sua identidade”, ele disse. “Me preocupo que eles não possam ser quem são.”

Ter a capacidade de ser você mesmo é imperativo para Rodriguez, tanto em termos pessoais quanto na forma de arte que ele escolheu, a dança voguing. Conversamos com Rodriguez, que se tornou a face pública dessa forma de dança, sinônima da cena da dança de salão negra e latina.

Rodriguez rouba cenas sutilmente, em seu papel como Lamar em “Pose”, uma série do canal FX sobre o nascimento do voguing em Nova York. Ele também é conhecido como Slim Xtravaganza, e desde a metade do ano passado, se tornou integrante da House of Xtravaganza, destacada em “Paris Is Burning”, um influente documentário de 1990.

A decisão dele de aderir foi estimulada em parte por seu trabalho em “Pose” e por um dos principais personagens da série, Blanca, a mãe durona mas carinhosa da House of Evangelista. “Blanca toma conta de todo mundo”, ele disse. “É como se você quisesse um abraço dela e, ao mesmo tempo, ser Blanca. Todo mundo ama Blanca por isso. Todo mundo acredita que precisa de uma Blanca em sua vida.”

Isso o levou a formar uma família por escolha. Rodriguez, de 30 anos, se define como pai de uma filha e três filhos. Dois desses filhos, Ashlynn Roché, de 20 anos, e José Rodríguez, de 21 (que não é parente biológico do coreógrafo), participaram com ele do vídeo —gravado no saguão de seu prédio no norte de Manhattan, durante um temporal de verão.

Rodriguez disse que encarava a performance como uma mensagem de esperança à juventude LGBT. “Eu realmente gostaria que eles reservassem um momento para desfrutar do ‘voguing’, para aprender a conhecer uma forma de dança que vem da cultura trans, negra e latina”, disse. “E que sorrissem e se empolgassem e tivessem um momento de positividade de ouvir alguém dizendo que os vê e está presente para eles.”

Ao longo desse período de distanciamento social, os três dançarinos se mantiveram juntos, numa bolha de quarentena —dançando juntos e conversando sobre os desafios do momento atual. Roché e Rodríguez foram apresentados a Jason em sua aula de voguing na Gibney, uma escola de dança e espaço performático no sul de Manhattan. Ele mostrou a eles a cena da dança de salão e os orientou nos estágios iniciais de suas carreiras.

“Não é que eu tenha sido convidada para ser filha dele”, disse Roché. “Foi algo que simplesmente aconteceu. O apartamento dele se tornou o espaço em que José e eu podemos nos esconder e experimentar Nova York, descobrir o que é a dança de salão e o que é ser uma família e nos tornarmos quem somos sem termos de nos preocupar com qualquer outra coisa.”

Mesmo que boa parte da vida cotidiana ainda esteja suspensa —o que inclui a filmagem da temporada três de “Pose”—, Rodriguez continua ocupado. Ele está ajudando a organizar a Marcha Million Femme, uma celebração das vidas dos trans negros, planejada para daqui a algumas semanas.

Jason Rodriguez, dançarino e coreógrafo, em Nova York, em 11.jul.2020
Jason Rodriguez, dançarino e coreógrafo, em Nova York, em 11.jul.2020 - Mohamed Sadek/The New York Times

Rodriguez participou de protestos com seus filhos e encontra muita satisfação em seu papel como mentor. “Eu ouço tudo que eles têm a dizer e dou conselhos a eles”, afirmou Rodriguez. “Talvez seja a maneira pela qual eles se comportam, ou a fome que vejo em seus olhos —porque eu era assim. Quando descobri a dança, eu tinha apetite por descobrir como me expressar, ser criativo, me mover. Quero oas ajudar em suas jornadas.”

Rodriguez se especializa em “new way vogue”, conhecida por sua precisão geométrica aguçada e flexibilidade. (Também existe o estilo “old way”, que se baseia em poses, e o “vogue fem”, mais livre e menos esquemático.)

Recentemente, ele falou sobre a importância do voguing e a maneira pela qual sua experiência em “Pose” se estendeu ao resto de sua vida e sobre os prazeres de ter alguém de quem tomar conta. “Eu sinto que sou pai —e sou grato porque não é uma pele hipermasculina e tóxica. É bem bonitinha, ‘queer’ e feminina, uma pele dura mas com balanço. Rabo de cavalo longo.”

Abaixo, trechos editados de diversas conversas por telefone.

*

Com esse vídeo, você envia uma mensagem de esperança. Em termos de poses e sentimentos, o que você estava sentindo? Eu disse a Ashlynn e José que realmente quero que as pessoas vejam que eles estão curtindo o movimento. Não é preciso pensar demais em se eles estão sendo precisos ou sincronizados. Prefiro que, se eles errarem, não se esqueçam de sorrir. Que eles tentem reconhecer. Quero que encontrem um senso de serem orgânicos, porque, acima de tudo, o voguing é orgânico.

E quanto ao movimento? Ele surgiu de um esforço, uma tentativa de concentrar o foco nas poses que a escola antiga tinha como base. Eu queria mostrar mais extensão e manter aquele formato “new way vogue”.

Queria trazer para hoje as poses do passado, mostrar que cara elas têm quando eu as faço com meus filhos. E assim passar adiante essa história desde quando ela me tocou primeiro. Agora é minha vez de tocar dois outros indivíduos e manter essa linhagem avançando.

De que maneira o voguing empodera os jovens? Ao os ajudar a expressar o que não podem dizer. É uma forma de dança para expressar o que alguém tem de melhor, usar aquelas poses e entrar naquele salão afirmando “estou aqui”.

Se você não expressa o seu eu mais confiante, você não está voguing. O que temos é uma forma de dança em que é OK falar. E se você está falando, então diga algo forte e válido. A ideia é articular em todos os níveis, acessar todo o seu corpo.

Você vê conexões entre o voguing e o Black Lives Matter? Com certeza. Acho que o voguing e as manifestações lembram as pessoas de que as vidas dos trans negros importam, que as vidas dos queers negros importam, especialmente em espaços como as áreas ricas de Uptown, onde a maioria das pessoas são heteronormativas.

Fui a uma manifestação por lá, que aconteceu no mesmo horário daquela grande manifestação realizada diante do Museu do Brooklyn. Eu realmente queria ir à manifestação de Manhattan, para ver se haveria representação queer —ver se eles estavam cientes das mulheres negras que foram assassinadas.

E estavam? Fui com meus filhos e um par de amigos, e fomos os únicos que começaram a gritar “as vidas trans importam”. Era como se, caso não estivéssemos ali, ninguém mais teria dito aquilo. Estávamos lá com nosso grito de guerra e voguing.

Como está sendo participar de marchas e protestos para você enquanto um dançarino? Vem sendo incrível. É uma onda de energia. E não para. Está todo mundo marchando pelo mesmo objetivo. Você vê uma marcha como essa e pensa 'ufa, não estou vivendo no inferno'.

Trabalho em uma série de TV inovadora. Estou aqui difundindo uma forma de dança criada por uma comunidade, uma cultura. E a marcha é pela justiça. Não sou trans, e assim, para mim, a questão é como posso ajudar. O que posso fazer? Quem eu devo tentar influenciar? São essas as questões que circulam em minha cabeça.

Há quanto tempo você tem seus filhos? Dois ou três anos. Acho que isso ajudou a melhor parte de mim a emergir. Para mim, ter filhos é ver aquilo pelo que estão passando e saber que compreendo.

Escolher onde e quando ser o seu eu autêntico, quando ser queer, a que hora do dia você pode usar seus saltos altos para que sua mãe ou tia não vejam e questionar isso tudo. Foram coisas pelas quais eu passei.

Você era integrante da House of Ninja. Quando você entrou para a Xtravaganza? Na metade do ano passado. Foi isso. Não é uma loucura? Depois de, acho, quatro anos com os Ninja.

A série 'Pose' influenciou nessa decisão? Influenciou, e muito, para ser honesto. Influenciou minha vontade de deixar a casa Ninja. Influenciou em eu querer me tornar pai, porque eu sempre me questionava por não ter aquele sentimento de família, por não ter irmãs trans em minha casa. Eu ficava me perguntando o que aquilo queria dizer sobre mim. As casas foram criadas por mulheres trans. Na Xtravaganza, temos muita gente trans. Para mim, elas fazem com que exista aquela sensação de um lar.

Você tem conexões lá? Pensei nisso depois da morte de Hector Xtrava. Na última conversa que tive com ele, eu disse que não sabia mais o que fazer com a dança de salão e me sentia perdido. E ele me perguntou que outros trabalhos eu estava fazendo e de que maneira eu estava liderando, agora que sou uma das faces dessa cultura. Eu quis aderir para levar adiante a memória dele.

Como você adere a uma casa? Na maioria das vezes, acontece quando você forma uma conexão com alguém que convida para uma conversa. Depois de algumas conversas e conexões, você é convidado a aderir. Muita gente pergunta no Instagram como entrar para uma casa. Não respondo a essa pergunta porque não é uma pergunta a ser respondida. A pessoa precisa descobrir.

Tradução de Paulo Migliacci

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