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Ex-militantes da Libelu lembram como foi a linha de frente contra a ditadura

Jornalistas fazem balanço sobre o movimento estudantil, objeto de documentário do É Tudo Verdade

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estudantes apinhados em prédio da usp

Assembleia estudantil na USP na década de 1970 Acervo O Trabalho

São Paulo

A Liberdade e Luta, corrente do movimento estudantil que teve participação decisiva nos esforços pela redemocratização do Brasil, é objeto de um novo documentário que estreia agora no festival É Tudo Verdade.

Os militantes dessa vertente trotskista, que ganhou o apelido de Libelu, desenvolveram carreiras e posicionamentos políticos os mais díspares possíveis nas décadas seguintes.

Reunimos aqui depoimentos de jornalistas que tiveram ou têm ligação com este jornal para que contassem como foi sua história junto ao grupo político, na juventude, e fizessem um balanço distanciado sobre a sua atuação.

“A Libelu foi uma experiência de ousadia política num momento ainda de muito temor, de muita hesitação no movimento democrático, que era incipiente”, lembra o crítico gastronômico Josimar Melo, que militou na Libelu a partir de meados dos anos 1970.

“A esquerda no Brasil até então vinha sendo dominada por uma visão muito conformista, em termos de política e de costumes. A predominância era de grupos que seguiam a orientação stalinista. E o stalinismo é ossificado, absolutamente antitético com o espírito vibrante da juventude.”

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O crítico gastronômico Josimar Melo - Bruno Santos/Folhapress

“A ala trotskista fez o seguinte balanço”, diz o jornalista Ricardo Melo, que integrou por dez anos a organização. “A União Soviética estava sendo burocratizada. No Brasil, as pessoas estavam inconformadas, mas a luta armada era descolada da massa —sem nenhuma crítica a quem tomou esse caminho. Mas você não derruba o governo se não tiver o povo do seu lado.”

O colunista Demétrio Magnoli diz que a ausência desse passado de luta armada fazia com que a Libelu tivesse uma visão mais clara sobre a urgência de se manifestar pela derrubada da ditadura militar.

“As outras organizações que carregavam essa herança de luta armada imaginavam que palavras de ordem assim produziriam uma repressão muito grande de novo, como houve depois de 1968.”

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O colunista Demétrio Magnoli - Reinaldo Canato/Folhapress

“Para nós era óbvio que a gente, que queria tirar a ditadura do poder, tinha que sintetizar isso em palavras de ordem que fossem assertivas e diretas”, diz Josimar Melo.

“As outras lideranças estudantis eram supertímidas em relação ao assunto. Hesitamos muito em pôr isso em público. Até que chegou um momento, depois da invasão da PUC pela ditadura em 1977, que achamos que não dava mais. Quando fui falar em nome do Diretório Central dos Estudantes numa grande
reunião de todos os grupos, eu disse que tinha de pôr a céu aberto aquele grito que estava preso na nossa garganta. Dei um puta grito no microfone —‘abaixo a ditadura’.”

“Teve três segundos de silêncio”, ele conta. “E aí começou todo mundo a gritar, ‘abaixo a ditadura’. Na mesa, todas as lideranças que eram contra gritar isso estavam de pé, de punho erguido, gritando.”

“A gente foi linha de frente na reconstrução das entidades estudantis”, diz Ricardo Melo. “Fizemos as primeiras passeatas de rua desde 1968.”

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O jornalista Ricardo Melo, que foi presidente da Empresa Brasil de Comunicação - Juca Varella/Agência Brasil

“Você andava pelas ruas e era muito impressionante o apoio”, conta Laura Capriglione, que também era militante à mesma época. “Nos protestos de 2013, quando vinha a polícia reprimir brutalmente, os bares baixavam as portas na cara dos manifestantes. Em 1977, não era nada disso. Você entrava nas casas das pessoas, fugindo da polícia. Nas passeatas pelo centro, voavam papeizinhos picados. Tinha um apoio gigantesco.”

“Era muita efervescência”, acrescenta Capriglione. “A gente aprendia muito a debater, a discursar. Era quase uma batalha de slam de estudantes universitários brancos.”

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A jornalista Laura Capriglione, do coletivo Jornalistas Livres - Reinaldo Canato/Folhapress

Reinaldo Azevedo passou a integrar o que chama de base da Libelu a partir dos 18 anos.

“Foi um dos períodos da minha vida em que mais li, e mais intensamente. Você se obrigava a fazer isso. Nós falávamos de Dostoiévski, de Kafka, era todo mundo muito topetudo. E o fato de ter uma posição crítica à União Soviética nos empurrava para um pensamento antiautoritário.”

“As outras organizações ainda tinham um peso muito grande do nacionalismo, algo importante na formação do Brasil moderno e no pensamento stalinista”, diz Demétrio Magnoli. “Os trotskistas, por definição, são internacionalistas. Isso se refletia, do ponto de vista cultural, das preferências artísticas, numa postura mais cosmopolita.”

“Olhando agora para trás, vejo que o que de fato me fazia militar naquele momento não era a ideia trotskista da revolução permanente, mas a conquista da democracia no Brasil”, acrescenta o colunista.

“Aquilo formou uma geração de pessoas desassombradas”, afirma Azevedo. “Aprendi ali um jeito de pensar. Éramos desconstruidores de doxas, seja da capitalista, seja da comunista. Fomos treinados numa certa cultura da contestação. E isso para o jornalismo é bom. Não por acaso muitos Libelus viraram jornalistas.”

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Reinaldo Azevedo, colunista da Folha - Eduardo Knapp/Folhapress

"Nós tínhamos um jornal alinhado com a Libelu, o Avesso", conta o jornalista Caio Túlio Costa. "Fizemos um número destinado a acabar de vez com a história do culto à personalidade, muito forte nos maoístas e no stalinistas. Botamos o Mao bem grande na capa, com uma frase do Pablo Neruda que se referia a Stálin. E o jornal começou a vender mais do que das outras vezes."

"Aí alguém me liga dizendo, você já viu a capa dos jornais de hoje? O presidente da República, general Geisel, tinha vindo para São Paulo para inaugurar um trecho ferroviário. Na comitiva estava o então secretário de Segurança Pública do estado, o coronel Erasmo Dias. E a foto era ele mostrando o Avesso para o Geisel e falando, 'olha só o que os maoístas estão fazendo'."

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O jornalista Caio Túlio Costa, que foi ombudsman da Folha - Bruno Santos/Folhapress

Josimar Melo ressalta a importância dos estudantes na linha de frente contra a ditadura, naquele momento.

“Foi o primeiro movimento que realmente saiu às ruas, com um eco na sociedade. Depois disso, a partir de 1979, com as greves do ABC e o movimento dos trabalhadores saindo à cena, o movimento estudantil retomou seu lugar histórico, que é de apoio, secundário em relação ao grande movimento de massas.”

A jornalista Lucia Boldrini começou a militar no grupo já depois que sua importância havia desinflado, em 1983.

“Fiquei um ano apenas. Era tudo muito ruim. Os dias dedicados a reunião de célula eram sombrios, o palavreado, inacessível —quatro horas discutindo numa linguagem leninista sobre como a revolução estava próxima. Basicamente, você ficava ouvindo. Mas a vida não estava ali, estava lá fora”, ela diz, em referência à mobilização pelas Diretas Já, que começava a acontecer naquele ano.

“A pessoa que foi encarregada de ir até a minha casa para me demover do meu desligamento da Libelu também estava angustiada. Ele pedia para que a organização o transferisse para fazer trabalho de base no Vietnã. E ele acabou transferido para Itaquera.”

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Os ex-militantes da Libelu e jornalistas Reinaldo Azevedo e Lucia Boldrini, em 1983 - Arquivo pessoal

*

os ex-libelus

Caio Túlio Costa, 66
Jornalista, professor de jornalismo, trabalhou 21 anos na Folha e foi simpatizante da Libelu quando estudou na ECA-USP, de 1974 a 1978

Demétrio Magnoli, 61
Colunista da Folha. Formado em jornalismo e ciências sociais na USP, integrou a Organização Socialista Internacionalista

Josimar Melo, 66
Crítico de gastronomia na Folha. Estudou arquitetura na USP e militou profissionalmente pelo movimento até 1985

Laura Capriglione, 61
Estudou física e ciências sociais na USP, quando integrou a Libelu. Foi repórter da Folha até 2013 e hoje integra o coletivo Jornalistas Livres

Lucia Boldrini, 57
Jornalista da Folha, em que integra a editoria do jornal impresso. Fez parte da Libelu por um ano

Reinaldo Azevedo, 59
Colunista da Folha. Autor de "País dos Petralhas", estudou letras na USP enquanto participava da Libelu

Ricardo Melo, 65
Jornalista e ex-diretor da EBC, participou da organização trotskista de 1975 a 1985. Foi colunista da Folha até 2015

Libelu - Abaixo a Ditadura

  • Quando Estreia online no É Tudo Verdade nesta quarta, às 21h
  • Preço Grátis
  • Direção Diógenes Muniz
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