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'Jojo Rabbit' exagera no humor mas traz consciência, dizem debatedores

O filme do diretor Taika Waititi foi debatido no Ciclo de Cinema e Psicanálise nesta terça-feira (22)

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São Paulo

Tratar o nazismo de maneira cômica foi um risco que o diretor neozelandês Taika Waititi decidiu correr em seu filme “Jojo Rabbit”.

Embora seja uma obra comovente e premiada —foi indicada a seis troféus no Oscar e levou o de melhor roteiro adaptado—, a forma de suavizar as figuras responsáveis pelo holocausto pode ter sido doce ou otimista demais.

Essa foi a principal conclusão do debate sobre o filme promovido pela Sociedade Brasileira de Psicanálise, na terça-feira (22), com apoio da Folha e do MIS, o Museu da Imagem e do Som.

A obra gira em torno do protagonista Jojo, um menino de dez anos da juventude nazista, que tem como amigo imaginário Adolf Hitler, vivido pelo próprio Waititi, que tem raízes judaicas por parte de mãe. Apesar de a sátira ser uma ferramenta válida, como disse a crítica de cinema Neusa Barbosa, ela tem dúvidas se o diretor não passou um pouco do limite.

“O filme pode dar uma impressão de que os nazistas não eram tão perigosos. Ao adocicar a imagem de Hitler, fico em dúvida se o diretor errou de tom, se essa história de amigo imaginário não foi longe demais”, disse.

Segundo o psicanalista Daniel Delouya, apesar de ser um pouco exagerado, criar um Hitler a partir da perspectiva de um menino de dez anos pode ser uma forma de ridicularizar a imagem do líder.

“Os trejeitos desengonçados do Hitler o fazem uma espécie de palhaço que pouco tem a ver com a imagem do ditador na história do cinema. As falas nazistas enfáticas são forjadas, encenadas e cômicas, uma espécie de esforço teatral”, disse.

Jojo parece dividido entre dois mundos e não sabe muito bem o que escolher. Ele é solitário, órfão de pai e enxerga na figura do ditador, e na maldade por ele pregada, uma saída para o desamparo que sente. Embora seja um pequeno nazista em formação, ele vive em uma casa de resistência, onde sua mãe, papel de Scarlett Johansson, esconde uma adolescente judia.

A menina Elsa, vivida por Thomasin McKenzie, é muito diferente das figuras desumanizadas dos judeus que o menino conhece nos campos de treinamento. “Ele tem um processo de crescimento e, quando descobre a menina judia, entra em confronto com as suas crenças”, analisou Barbosa.

“É admirável como o diretor conseguiu integrar o drama de uma vida privada com um cenário sociopolítico do nazismo”, acrescentou Delouya. Nesse sentido, ele vê dois eixos que tecem a obra.

O primeiro é justamente a fragilidade de Jojo, que o faz querer se identificar com o nazismo e fazer parte desse heroismo. “É uma oscilação entre o medo insuportável e o alívio na superação fanática, como assistimos nos treinos da juventude nazista no filme”, exemplificou.

Na outra ponta, o segundo eixo é seu lado humano. Jojo reconhece sua própria fragilidade no outro, o que é muito bem representado em sua relação com as figuras femininas e fortes da obra, Elsa e sua mãe. Se a princípio o menino não sabe muito bem o que quer, avaliou Delouya, sua mãe o sabe conduzir, confiando no amor do menino por ela e pela vida.


Veja a íntegra do no vídeo abaixo.


É nessa mensagem de otimismo e esperança no ser humano que o psicanalista discorda do diretor. “No pensamento de [Sigmund] Freud é muito claro que a barbárie não é exterior à civilização, ela é interior, inerente a nós. Nesse sentido, quando digo que divirjo do diretor, é porque eu fico na dúvida de qual parte pode vencer”, disse o psicanalista.

Mais de 70 após a queda do regime comandado por Hitler, ele comenta o aumento dos líderes populistas e de extrema direita ao redor no mundo nos últimos anos. “Essa batalha ainda está acontecendo.”

Barbosa diz acreditar que o diretor poderia, justamente, ter acrescentado camadas mais complexas e “não ser tão maniqueísta”. “Falta um pouco de contexto, parece que [o diretor] está mais preocupado com que nós choremos com a fábula de Jojo, que é um pouco adorável demais em um certo sentido.”

Um levantamento da CNN, feito em 2018 com mais de 7.000 pessoas em sete países europeus, mostrou que 4% não sabem o que foi o Holocausto e 31% acreditam que os judeus usam o Holocausto para fazer avançar seus objetivos pessoais.

Em um cenário como esse, um filme que atrai o público e desperta consciência em relação ao fanatismo e ao nazismo já não é pouca coisa, concordam os debatedores.

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