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Leonardo Padura não aguentava mais falar de política, aí veio o reggaeton

Em entrevista, escritor cubano comenta lançamento de seu novo livro 'Água por Todos os Lados'

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Buenos Aires

Leonardo Padura diz que queria ser Paul Auster.

"Não por sua qualidade literária, que também admiro, mas é que morro de inveja ao ler uma entrevista de Paul Auster e constatar que a ele perguntam sobre literatura, cinema e esportes. E penso que adoraria falar dessas coisas. Eu, se vou dar uma entrevista de meia hora, passo sempre 25 minutos ou mais respondendo perguntas políticas", desabafa o autor de "O Homem que Amava os Cachorros".

O escritor cubano Leonardo Padura, de 65 anos, lança agora no Brasil "Água Por Todos Os Lados", pela editora Boitempo. Em entrevista, por telefone, em sua casa no bairro de Mantilla, em Havana, Padura conta as razões que o levaram a lançar essa coletânea agora, que reúne textos sobre seus principais livros, reflexões sobre a literatura, o jornalismo e como se relaciona à tradição cultural cubana.

Padura identifica dois momentos cruciais para a produção literária da ilha –o século 19, de exaltação e de projeção de um país grandioso, e o que começa a partir dos últimos 30 anos, que é marcado pela ideia de desconstrução e de desilusão com o projeto da Revolução Cubana, em 1959.

"A partir daí temos duas vertentes, a que olha para dentro do país, e está ligada a observar esse processo, a partir do isolamento, do confinamento, e a que sai, que é a literatura do exílio, que por sua vez é marcada pelo peso da nostalgia", resume.

Padura crê que Mario Conde, o detetive que protagoniza muitos de seus livros, é fruto dessa cultura da desconstrução. "Ele é o retrato da crise de valores, da desilusão, ao mesmo tempo em que transita por um território habitado pelo passado."

"Água Por Todos Os Lados", o nome do livro, toma emprestado um trecho de um poema de Virgilio Piñera, que inspirou Padura a refletir sobre como a situação geográfica de seu país, além da questão política, influenciam sua literatura.

"Também me inscrevo na geração de escritores cubanos que se colocaram um objetivo, o de transcender essas fronteiras por meio da literatura, que é uma peculiaridade da arte e da música cubana", diz.

Além de reflexões sobre sua geração de intelectuais e sobre escritores cubanos que admira, como Alejo Carpentier e Cabrera Infante, Padura também dá atenção a manifestações culturais recentes, como o reggaeton, que, como conta no livro, o enlouquece enquanto está trabalhando e parece onipresente nas ruas de Havana.

"O sucesso que o reggaeton tem no Caribe, e em Cuba especialmente, é outra forma de expressar o desgaste social, a desconstrução das nossas utopias. Não é a causa deles, é uma consequência. Você vê um gênero norte-americano se apropriando de uma rica tradição local e a transformando em algo repetitivo, pobre do ponto de vista melódico."

E acrescenta que "a desconstrução social possui uma atração nos dias de hoje, na cultura latino-americana". "Podemos ver isso nos narco corridos mexicanos (músicas que enaltecem os narcotraficantes), ou no cinema brasileiro das últimas décadas, em que os filmes de maior sucesso são sobre violência, sobre a ruptura do tecido social, sobre a marginalidade."

Outra das questões que aborda no livro é a da relação da ilha com os esportes. Nascido numa família de "peloteros", ou jogadores de beisebol, e sendo ele também um "pelotero" frustrado, vê que os cubanos atualmente estão cada vez mais ligados ao futebol tradicional, que antes não tinha tantos seguidores na ilha. Aí, vê aí uma estratégia política também.

"O beisebol ainda é o esporte nacional, mas cada vez mais se joga futebol, se acompanha a Champions League, os campeonatos espanhol e inglês. Eu creio que isso é moda por um lado, mas uma moda que vai bem ao governo e acaba sendo incentivado por este. Porque aqui não se transmite o beisebol norte-americano, e a ideia é clara, é não alimentar, na juventude, a ideia de querer se mudar e imigrar para os Estados Unidos. O futebol europeu não nos causa isso. Porque sabemos que jogamos muito mal. Devemos ser a pior seleção do mundo, perdemos para o Haiti de goleada", diz, rindo.

Padura agora se prepara para o lançamento de seu 13º romance, "Como Polvo en el Viento", que deve sair no Brasil no ano que vem, e que trata da diáspora cubana a partir da experiência de sua geração.

"Só espero que deixem de me perguntar porque não saio de Cuba. Essa é uma pergunta que me persegue. Não saio porque sou cubano, porque neste bairro nasceram meu pai e meu avô, e vivo na mesma casa em que cresci. A Paul Auster não fazem esse tipo de pergunta o tempo todo."

ÁGUA POR TODOS OS LADOS

  • Preço R$ 45,60 (292 págs.)
  • Autor Leonardo Padura
  • Editora Boitempo
  • Tradução Monica Stahel
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