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Paola Minoprio

Liberdade é também ter restrições, como as para não infectar o próximo

Ainda bem que, com protocolos, poderemos intercalar os assentos, comer pipoca e fazer xixi sem maiores preocupações

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Paola Minoprio

Bendita fase verde! Aquela fase tão esperada que prevê que a segurança sanitária seja garantida, pela desinfecção e sanitização de todos os equipamentos e locais da cidade abertos ao público.

Pera aí! Não são todos os lugares por onde andará o público dentro dos museus, exposições e galerias, teatros ou ainda eventos, bibliotecas e locais com equipamentos multifuncionais que serão indiscriminadamente limpos, somente as superfícies, como descrito nos protocolos aprovados para a fase seguinte do Plano São Paulo.

Enquanto é fácil imaginar os funcionários limpando todas as superfícies de exposições, museus e galerias, posto que as obras expostas não se tratam de superfícies "manipuláveis", é mais difícil imaginar como serão feitas as desinfecções dos livros nas bibliotecas, dos alimentos nas feiras gastronômicas e dos tais aparelhos culturais multifuncionais.

No casos dos livros a coisa merece destaque, porque vão ficar de quarentena 48 horas antes do manuseio. Só que todos os brasileiros que se prezem aprenderam a lamber os dedos para folhear livros e revistas. Estranho que ninguém sugeriu que sejam adotadas as velhas e boas almofadinhas para selos, recheadas de álcool em gel nas mesas de consulta de bibliotecas. Isso teria dupla utilidade, pois, além de permitir que páginas sejam viradas, impediria que os indivíduos não habituados ao novo normal transfiram o coronavírus para aquelas folheadas, evitando nova quarentena.

As atividades culturais são excelentes para que possamos descobrir novas coisas e aumentar nossa cultura. Vamos aprender como conseguir manter as nossas máscaras enquanto degustamos novos quitutes nas feiras gastronômicas, ou ainda a avaliar os produtos artesanais produzidos por artesãos da cultura popular, como o próprio nome indica, de maneira artesanal —quer dizer, manualmente.

Apreciaremos sem tocar os artesanatos feitos de madeira, cerâmica, metal, tecidos, fibras e papel, entre outros materiais. Esses mesmos materiais em que os coronavírus adoram descansar por alguns dias depois de liberados por espirros ou cantarolas de pessoas infectadas, antes de perpetuarem a espécie infectando novas pessoas.

muitas pessoas amontoadas em uma grade, como se fosse proximo a um palco num show
Pessoas na famosa galinhada de Alex Atala, oferecida para 600 pessoas no Minhocão, na Virada Cultural de 2012. Na fase verde, feiras gastronômicas para até 600 pessoas (ou até 2.000 com autorização especial) poderão voltar a acontecer - Julia Chequer-6.mai.2012/Folhapress

Mas a fase verde não me parece um problema maior, considerando que nós brasileiros somos tão bem educados que sabemos portar com propriedade nossas máscaras posicionadas no queixo ou nas orelhas, garantindo a nossa liberdade, a nossa proteção e a do vizinho ao lado.

Além disso, como tivemos a oportunidade de observar nos últimos meses, somos bem disciplinados e conseguiremos respeitar com o rigor necessário o distanciamento físico que será imposto nas filas de espera e de entrada dos teatros, cinemas e casas de espetáculo.

Como todos os locais culturais são bem equipados, obviamente não deixarão nem uma pessoa a mais entrar no recinto, além das 600 permitidas num circo ou ainda das 2.000 que serão contabilizadas em eventos de grande porte. Que se preparem bem as pilhas e baterias dos termômetros que medirão a temperatura de todos na entrada, bem como a paciência, para que uma sessão possa começar.

Ainda bem que poderemos intercalar os assentos, comer pipoca e fazer xixi sem maiores preocupações, pois tudo foi previsto protocolar e antecipadamente. Um intenso manual de desinfecção prévia dos estabelecimentos inclui a limpeza das áreas de venda de alimentos, os banheiros e as poltronas. Atenção! As pessoas que comprarem ingressos conjuntamente poderão se sentar juntas e os espaços de um metro serão, logicamente, bem respeitados nos espetáculos com pessoas em pé.

Será que está bem claro que é vedado tirar selfie com seus artistas preferidos, ou pegar o elevador se não for deficiente físico? Ou seja, tudo perfeitamente organizado para que, com a sabedoria, a inteligência e o civismo do povo brasileiro, a gente possa entrar rapidamente na segunda onda da Covid-19, sem nem mesmo ter saído da primeira.

Afinal, liberdade é também ter restrições, como aquela de saber não infectar o próximo.

Paola Minoprio é diretora de pesquisa do Instituto Pasteur de Paris, coordenadora da Plataforma Cientifica Pasteur – USP, conselheira de comércio exterior da França.​

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