MC Niack emplacou os maiores hits da pandemia sem nunca pisar num palco

Funkeiro de 17 anos foi de desconhecido a um dos artistas mais ouvidos do país, com 'Na Raba Toma Tapão' e 'Oh Juliana'

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jovem funkeiro com cabelo rosa posando em ensaio

MC Niack, funkeiro de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo Marcos Hermes/Divulgação

São Paulo

“Estou me preparando, já que eu nunca subi num palco”, diz, rindo, um garoto com o cabelo parte raspado, parte rosa, em frente a uma parede branca. “Comecei totalmente na internet. Nunca tinha feito show, e essa pandemia aí me ajudou a crescer a música. As pessoas estão em casa, ouvindo música, querendo se entreter.”

Ele é MC Niack, a voz da música mais tocada do Brasil agora. Só durante a última semana, e só no Spotify, a faixa “Oh Juliana” foi ouvida mais de 5 milhões de vezes, números que se mantém elevados desde que ela foi lançada, em julho.

Niack é de Ribeirão Preto, no interior paulista, mas deu entrevista de Jundiaí, também no interior, no escritório de seu novo empresário, preparando o lançamento de uma carreira “física”. Seu sucesso é um resultado direto da pandemia, um artista que surgiu e estourou enquanto as festas e eventos com aglomeraçõesonde em geral essas músicas dançantes emplacam— estão proibidos.

Mas o sucesso de "Oh Juliana", ainda que surpreendente, é uma sequência de "Na Raba Toma Tapão". O hit anterior de Niack não só chegou ao posto de música mais ouvida do país, como estacionou nessa posição por meses depois que chegou lá, em maio —e ainda hoje está entre as 20 mais tocadas no Spotify.

“Ano passado fiz um canal [no YouTube], e comecei a lançar músicas”, diz o MC paulista, que ainda não chegou à maioridade. “Mas não gostei, apaguei tudo e comecei de novo. Sozinho, sem investimento nenhum. Fiz contatos e fui ganhando visibilidade.”

As duas músicas que renderam a um artista então desconhecido o cobiçado número um do Spotify —à frente de Anitta e Marília Mendonça, entre outros— vieram após um momento de baixa.

“Eu estava meio depressivo na época, e a música é que foi um divisor de águas. Foi um tempo tenebroso para mim. Estava começando a entender mais sobre a vida, sobre como ela é dura. É o momento que os jovens têm de ver problema em tudo, e não ter estrutura para resolver.”

Niack, que nasceu Davi Alexandre Magalhães de Almeida, tem 17 anos e mora com os pais. Deprimido, ele não estava indo à escola quando começou a compor. “Parei de estudar e trabalhei em uma fábrica de suplementos, mas foi pouco tempo.”

O contato dele com o funk veio da mesma forma que seu sucesso, pela internet. Niack diz que, se há bailes de rua tocando funk em Ribeirão Preto, ele os desconhece. “Em São Paulo é que tem todo dia. Mas aqui todo mundo ouve muito funk. Na verdade, é assim no Brasil inteiro.”

Ele começou a ouvir funk há uns seis anos e tinha nos MCs Livinho e Pedrinho as suas principais referências. Livinho, então um dos nomes mais populares do funk paulista, estourou com um jeito de cantar mais melódico, e músicas com temática sexual e romântica.

“Pegava a forma deles cantarem como referência”, diz. “Tenho uma voz melódica. Não teria como cantar de outro jeito.”

A abordagem vocal hoje se tornou uma marca também de Niack. Em “Na Raba Toma Tapão”, ele soma o jeito suave de cantar a batidas eletrônicas secas, quase metálicas, e letra pouco sutil. Diz que chega dando “choque no seu sistema” e “bota com pressão”. Com uma abordagem totalmente diferente, essa receita —vocal melódico contrastando com batidas duras e versos intensos— já fez sucesso na voz de MCs do Rio de Janeiro, como Kevin o Chris.

A expressão “choque no seu sistema” veio de uma novela que ele estava via na TV –foi o que “destravou” a música. “Depois disso, escrevi o resto de uma vez”, diz.

O estilo de funk que ele segue é o chamado “mandelão”, de produção mínima, batidas esparsas e graves estourados. É o som das festas e está em sintonia com o funk rave, vertente mais próxima da música eletrônica de pista que vinha dominando a cena em São Paulo antes da pandemia, a partir dos sets de DJs.

“Na Raba Toma Tapão” foi produzida por um DJ mineiro, Markim WF, que Niack ainda não conheceu ao vivo. “Ele postava beats de graça na internet. Eu não sabia fazer beat, então pegava os dele e fazia as letras. Nisso, ele viu uma das minhas músicas, gostou, entrou em contato comigo no Instagram. Formamos uma bela amizade e começamos a fazer músicas juntos. Aí surgiu ‘Na Raba’, que é uma ideia dele mesmo.”

Os dois hits de Niack estouraram muito graças ao TikTok, sendo trilha dos “desafios” que envolvem dancinhas. Mas ele diz que usava pouco o aplicativo chinês, e o sucesso na plataforma é muito mais uma coincidência do que uma estratégia.

“Oh Juliana”, que veio poucos meses depois de “Na Raba Toma Tapão”, também saiu de uma colaboração improvável. Ele escreveu a letra da música —a personagem do título, “a ruivinha do rabetão”, não existe na vida real—, gravou a voz e lançou uma versão da música sem batidas no SoundCloud, “para que os DJs produzissem em cima dela”.

A versão da música que fez sucesso foi produzida pelo DJ Léo da 17 e por Two Maloka, artistas do Ritmo dos Fluxos, agência relevante de São Paulo. Os clipes das duas músicas, cada um com cerca de 100 milhões de visualizações, foram produzidos pela KondZilla, e hoje Niack é contratado de uma das grandes gravadoras do país.

Além do sucesso nacional, ele entrou há pouco para uma parada mundial. “Oh Juliana” ficou na posição 132 da Global 200, de singles, da Billboard, fazendo dele o primeiro brasileiro a entrar na lista —encabeçada por “WAP”, da rapper americana Cardi B.

Talvez mais importante do que isso, suas músicas hoje constam nos repertórios —de lives— de gigantes brasileiros como Wesley Safadão. "Oh Juliana" já ganhou versão bregafunk, com o DJ Pernambuco e o MC Dadá Boladão, assim como "Na Raba", com o MC CL, o que evidencia essa penetração para além do eixo Rio-São Paulo.

Hoje, a maior parte da renda dos músicos vem dos shows, algo que Niack ainda não conseguiu fazer. Mas o sucesso de seus dois hits foi tamanho que ele já celebra poder ajudar os pais.

“No show, você ganha muito mais. Mas ter dois hits no 'top um' e muito tempo em primeiro lugar dá um dinheiro que dá para você se manter. Mudou minha vida da água para o vinho. Tirei meus pais do trabalho, posso dar uma vida melhor para eles. Agora minha vida está caminhando muito bem. É meu trabalho, entende?”

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