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Cinema

Novo filme de Charlie Kaufman tem belo ponto de partida, mas murcha

Entre altos e baixos, longa se prende num mecanismo que vai da memória à subjetividade absoluta da realidade

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Estou Pensando em Acabar com Tudo

  • Classificação 16 anos
  • Elenco Jessie Buckley, Toni Collette e Jesse Plemons
  • Produção EUA, 2020
  • Direção Charlie Kaufman

“Estou Pensando em Acabar com Tudo” é um título ambíguo. É também a frase que a heroína, papel de Jessie Buckley, enuncia logo no início do filme. Pode significar que pretende se suicidar, mas também que pretende dar um fim ao namoro com o rapaz que logo em seguida apanha em seu carro. Jake, vivido por Jesse Plemons, é seu nome. O da moça pode ser Louisa, como ele a chama a horas tantas, mas não é tão certo.

Há algo de encantador nesse início –uma longa conversa no interior do automóvel nos leva a concluir que a garota quer mesmo acabar com o namoro. Pretende voltar logo –tem trabalho no dia seguinte e a neve está feia. Seguem no caminho que os leva à fazenda dos pais de Jake e conversam. O caminho soa estranhamente real em sua artificialidade.

De onde vem esse encanto do início? Parecem duas pessoas bem diferentes –ela é uma ruiva de uma leveza simpática, que se completa com seu jeito de falar, entortando um pouco a boca. Ele, ao contrário, carrega o peso de seu corpanzil. Estudam física, conhecem poesia e arte. São hiperconscientes. Nada caipiras, nem alienados. Estamos com eles em sua deriva. E na deriva da moça em especial –ela tem medo de que a neve os retenha. Ele avisa que tem correntes para os casos de neve.

Aonde isso vai dar? Dá para lembrar a música –já conheço os passos dessa estrada et cetera, et cetera. Vamos ver. Para começo de conversa, vai dar na fazendola dos pais de Jake. Ali, Charlie Kaufman inverte os sinais. O jeito simpático de Jake tem algo de excessivamente assertivo. Quando topamos com os pais dele, a atmosfera de horror se instala. Ela está em toda parte. No riso excessivo da mãe, na decoração muito tradicional, luminosa demais.

​Mais ou menos como “Quero Ser John Malkovich”, porém, “Estou Pensando” começa com um belo ponto de partida que, com o tempo, murcha, vaga ao sabor de altos e baixos, mas, sobretudo, se deixa prender num mecanismo que inclui da memória à subjetividade absoluta da realidade.

Então, à medida que começa uma viagem no tempo, “Estou Pensando” vai virando uma espécie de “O Ano Passado em Marienbad” menor, o filme de Alain Resnais que deixou o mundo das artes perplexo no começo dos anos 1960. A partir de dado momento, os personagens podem estar num sonho ou num pesadelo, num musical ou num terror. Em vários momentos, no mais, pensamos em Stanley Kubrick, no colégio com corredores tétricos ou nos personagens que se desdobram, como se procurassem por si mesmos –não é tão diferente do final de “2001”.

Mas, calma, estamos longe do fim e já entramos nessa zona de vale tudo. Qualquer gênero pode ser convocado. Voltamos a uma adolescência dançante ou viajamos a um futuro remoto que lembra um passado juvenil —o importante é que todos os momentos são imaginários, ou antes –subjetivos. Da física transitamos à metafísica –o mundo é o que o interior de uma cabeça concebe. Porque assim é o mundo visto por Kaufman, uma espécie de alucinação autoabsorvente, onde tudo é possível, mas nada é necessário.

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