O que os gêmeos no YouTube ouvindo Phil Collins pela 1ª vez nos dizem sobre a música

Com o algoritmo do streaming, ficou ainda mais difícil descobrir os sucessos do passado

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Sandra E. Garcia
The New York Times

Tim Williams e seu irmão gêmeo, Fred, se filmaram recentemente ouvindo o sucesso de quase 40 anos atrás “In the Air Tonight”, de Phil Collins. No vídeo, os dois acompanham o vaivém da música com acenos de cabeça, enquanto a canção se aproxima de um momento de clímax.

“Espera aí, não me preparei para isso. Preciso me preparar”, diz Tim Williams. Com a canção pausada, ele finge que está prendendo um cinto de segurança.

Quando eles ouvem a bateria forte, os dois recuam com força em suas cadeiras pretas de computador e se entreolham em choque.

“Essa doeu”, diz Fred Williams. “Nunca vi ninguém perder uma batida três minutos depois do começo de uma canção!” O vídeo reverberou na internet e foi visto mais de 7 milhões de vezes no canal de YouTube dos gêmeos —e o número continua a subir.

Os gêmeos de Gary, cidade do estado americano de Indiana, já filmaram também a primeira vez que ouviram “I Will Always Love You”, com Whitney Houston, “Piece of My Heart”, com Janis Joplin, e “Jolene”, de Dolly Parton, que suscitou uma resposta de Parton no Twitter. “Não adianta implorar, Jolene já conquistou esses dois”, disse Parton.

Os irmãos Williams começaram no ano passado a registrar suas reações a canções que nunca antes tinham ouvido, mas a popularidade dos vídeos de reação a música —no YouTube ou no TikTok— é mais recente.

Alguns desses vídeos mostram pessoas reagindo a gêneros de música que elas desconhecem. Em outros vídeos, pessoas mais velhas reagem a canções mais modernas. No TikTok, as pessoas se divertem principalmente ao descobrir quais canções muito conhecidas da década passada os adolescentes conhecem ou não. Às vezes as reações são fingidas, mas os gêmeos Williams dizem que as deles são genuínas.

Você pode ter conhecido sucessos de tempos passados no banco de trás do carro de seus pais, diante do computador da família, vasculhando a internet para encontrar a origem de um sample ou gravar suas reações para o YouTube. Seja como for, a descoberta de música nova pode ser uma experiência que traz grande alegria.

Era mais fácil descobrir clássicos pop no passado com nossos pais, em lojas de discos ou estações de rádio. Mas os algoritmos de música streaming dominantes hoje visam conservar o interesse do ouvinte, o mantendo dentro da bolha do tipo de música de sua preferência. Ficou mais difícil descobrir um “golden oldie” –os sucessos amados do passado.

“O algoritmo é construído em torno do comportamento dos usuários”, explicou Ebro Darden, diretor global de hip-hop e R&B na Apple Music. “À medida que aumentaram as opções de consumo disponíveis aos amantes de música, as plataformas foram se estreitando e ficando mais seletivas.”

Descobrir clássicas nas rádios parece ser algo difícil também hoje em dia, disse Darden, porque também as estações de rádio ficaram mais personalizadas.

“Você se submete a uma plataforma, quer seja uma rádio ou um serviço de streaming, com curadoria humana ou feita por algoritmo, mas também pode entrar nesses serviços e fuçar para ver o que encontra”, disse Darden, também apresentador do programa “Ebro in the Morning”, na rádio Hot 97, de Nova York.

Em serviços de streaming como Apple Music ou Spotify, os usuários podem decidir se querem apostar no desconhecido e ouvir música com base na era, no gênero, produtor ou artista, mas eles precisam dar o primeiro passo, que parece ser um obstáculo.

Segundo Ray Heigemeir, bibliotecário de música na Biblioteca Musical da Universidade Stanford, muitos usuários querem que a música que ouvem seja escolhida por terceiros e adequada a seu gosto.

“As pessoas precisam se dar ao trabalho de procurar um pouco”, ele disse. “Hoje em dia as pessoas querem escolher uma coisa e deixar que outros procurem por elas.”

A maioria dos serviços de streaming prepara playlists em que os usuários podem descobrir músicas novas. O Spotify usa sua playlist “Fresh Finds” para levar música nova a seus clientes. A plataforma também oferece milhares de playlists baseadas em fatores diferentes, desde era até gênero, para atender ao gosto de todos os tipos de ouvintes, disse Lizzy Szabo, editora de playlists da Spotify.

“Quanto mais você usa o app, mais ele fica personalizado para você”, ela explicou. “A personalização é feita para tentar mostrar coisas pelas quais você pode se interessar. Mas o ouvinte precisa fazer o esforço de decidir o que ele quer do Spotify.”

Diante do declínio das lojas de discos e da ascensão das estações de rádio temáticas, pode ficar mais difícil para as pessoas encontrarem canções novas das quais gostam. Muitas pessoas ficam desanimadas com a vastidão do universo musical e preferem se ater ao que conhecem.

Sendo assim, talvez não seja surpreendente que candidatos a DJs no YouTube e outras plataformas tenham encontrado um público para seus vídeos do tipo “a primeira vez que ouvimos essa música”.

O universo musical sempre foi vasto, disse Darden, que trabalha para estações de rádio de várias partes dos Estados Unidos desde os anos 1990.

“Pessoas comuns, trabalhadoras, procuram alguém em quem possam confiar para oferecer a elas um som ou um gênero xis”, ele comentou. “As pessoas curtem DJs porque querem ouvir uma fonte de conteúdos em que confiam.”

No YouTube, os irmãos Williams recebem sugestões dos ouvintes, dadas nos comentários, sobre canções que eles precisam ouvir. Você os pode ver se emocionando e surpreendendo com Janis Joplin cantando “Piece of My Heart”, Jimi Hendrix tocando “Hey Joe” e outros sucessos de artistas e bandas que lideraram as paradas no passado, como Elton John, John Lennon, Led Zeppelin, Supertramp, Nirvana e Heart. (“Acho que é uma banda ou um grupo criado em 1977”, diz Tim quando eles começam a ouvir “Barracuda”. “É uma girl band?”)

Christopher Washburne, premiado com o Grammy e professor de música na Universidade Columbia, compara os gêmeos a uma versão moderna de uma fanzine.

“Eles estão levando seus pares a curtir a música da geração de seus pais, mostrando a eles como e quem apreciar”, disse Washburne. “São guias emocionais que nos instruem e nos mostram como sentir.”

Segundo ele, os gêmeos, que são fãs de rap e hip-hop, estão recebendo aulas de história sobre seus gêneros favoritos. “Eles estão ouvindo as raízes e a história da música que curtem, porque muitas das canções que eles ouvem são sampleadas em canções de hip-hop”, ele disse.

“Os artistas brancos que eles ouvem muitas vezes estão cantando música cooptada por brancos. De certo modo, o que eles fazem é cooptar a música de volta.”

Tradução de Clara Allain

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