'Rede de Ódio' mostra impactos trágicos da manipulação virtual

Longa polonês foi discutido no Ciclo de Cinema e Psicanálise nesta terça-feira (8)

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São Paulo

O filme polonês “Rede de Ódio”, do diretor Jan Komasa, mostra como são formadas as redes de desinformação que propagam discursos de ódio na internet e incentivam perseguições. Para os debatedores do Ciclo de Cinema e Psicanálise realizado nesta terça-feira (8), além de expor o funcionamento do submundo virtual e a deterioração do debate público, o longa acompanha as particularidades dos indivíduos que manipulam as engrenagens dessas farsas.

O protagonista Tomasz Giemza (Maciej Musiałowski) é um jovem solitário, manipulador e oportunista. Com mentiras compulsivas e um método calculista, consegue tirar vantagem de todos à sua volta. Após ser expulso da faculdade de direito por plágio, consegue um emprego em uma agência de caráter duvidoso, dedicada a arruinar carreiras.

Para a psicanalista Rahel Boraks, a sensibilidade de Tomasz em relação a outras pessoas é quase ausente. Tanto ela como a psicanalista Luciana Saddi, que fez a mediação do debate, concordaram que o jovem vê na destruição a possibilidade de encontrar alguma potência na vida. “O gozo gerado pelos objetivos alcançados diminui a sensação de nada ser, da ausência de valor e de sentido”, disse Saddi.

Boraks vê a manipulação como um mecanismo de sobrevivência psíquica, despertado desde muito cedo na vida de indivíduos com ausência de acolhimento e sustentação. No caso do personagem Tomasz, o apoio é encontrado na destruição do outro que ameaça a sua existência e, para se proteger, todos os sentimentos ficam dissociados. “A manipulação tem esse aspecto da violência que é tirar a qualidade humana do outro e usá-lo como uma coisa que vai beneficiá-lo.”

Para o jornalista Rogério Simões, mestre em mídias sociais pela Universidade de Westminster, a força maior do filme vem da manipulação vista numa escala maior, possibilitada pela internet. O personagem consegue infiltrar o discurso que deseja nas redes sociais e influenciar o debate público, ganhando força a partir da potencialização do ódio e ressentimento presentes na sociedade.

Simões comparou o filme com “A Sala do Suicídio”, também de Komasa, mas de 2011. Nele, um jovem vítima de bullying encontra refúgio na internet e começa a participar de um fórum que incentiva pensamentos suicidas. Os dois filmes são ligados pela personagem Beata (Agata Kulesza), que é mãe de Dominik Santorski no primeiro filme e chefe de Tomasz em “Rede de Ódio”. Para o jornalista, o diretor ligou os dois filmes ao mostrar dois lados que revelam a progressão da internet.

Se, em 2011, a internet era vista como mundo paralelo e fuga da realidade, em 2020, “Rede de Ódio” mostra como ela funciona como veículo de influência direta do mundo real.

Para ilustrar a desinformação da sociedade atual, Saddi fez um paralelo entre o livro “O Arco e a Lira”, de Octavio Paz, que indica a marca da modernidade como a suspeita do real, e a definição do psicanalista brasileiro Fábio Hermann, que diz que na sociedade da informação não temos mais ligação com a experiência, por isso passamos a suspeitar de tudo. “A resposta do homem a esse tipo de suspeita é ficar cada vez mais agressivo, como se a violência conferisse um selo de veracidade para aquilo que não é real.”

Em suas considerações finais, Simões abordou o potencial positivo das tecnologias, que permitem a interação entre culturas diferentes e o encontro de ideias para criação de soluções eficazes para os problemas atuais. “Nenhum país, partido, empresa consegue resolver os problemas sozinhos. Sabendo dessa dependência, é preciso entender as necessidades do outro e não apenas para manipulá-lo.”

Rahel citou a empatia como elemento fundamental para que a civilização possa avançar de maneira saudável. “O filme é um alerta para que a gente considere sempre a nossa disposição e disponibilidade para o humano.”

O Ciclo de Cinema e Psicanálise é promovido quinzenalmente pela Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, com apoio da Folha e do Museu da Imagem e do Som. O debate pode ser conferido no canal do MIS. No dia 22 de setembro, “Jojo Rabbit” será debatido.

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