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Saiba por que Madonna é uma arma contra a Aids em livro sobre iraniano gay

Personagem do autor revelação Abdi Nazemian agora se prepara para saltar do romance para as telas de TV

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Porto Alegre

Quando tinha sete anos de idade, Abdi Nazemian ficou muito impressionado ao ver na televisão o clipe de “Lucky Star”, de Madonna. A obsessão do garoto foi tão grande que, alguns meses mais tarde, seus pais o levaram ao show da turnê do primeiro disco da diva pop, chamado só “Madonna”. Seu fanatismo aumentou com o tempo, e a cantora acabou se tornando até assunto de conversa na família.

Era meados da década de 1980 e a epidemia de Aids estava em expansão nos Estados Unidos, matando milhares de homens homossexuais enquanto causava pânico —não se sabia direito que doença era aquela e os tratamentos eram incipientes.

Naquele momento, Madonna começou a incluir a cultura gay em seu trabalho, a exemplo dos dançarinos que chamou para o vídeo de “Vogue”, de 1990, lançado meses antes do HIV vitimar 100 mil pessoas.

“Para mim, que estava relativamente protegido da vida gay e que tinha só visto imagens da epidemia da Aids, a Madonna de repente apresentar esses homens gays como pessoas a serem olhadas e celebradas teve um grande impacto”, diz Nazemian.

“Aquela época era tão cheia de vergonha ao redor da sexualidade e da identidade e ela era o oposto daquilo, era sobre celebrar quem você era. Por isso eu digo no livro que o oposto da vergonha é a Madonna.”

O escritor se refere à “Tipo Uma História de Amor”, seu terceiro romance, que chega às livrarias brasileiras nos próximos dias. Voltado para o público jovem, a obra do iraniano naturalizado americano conta a história de Reza, um personagem de origem também iraniana, que mora em Nova York e se vê às voltas com a atração que sente por um garoto abertamente gay de sua escola de ensino médio, Art.

Mas, como a saída do armário nunca é fácil, Reza finge sentir atração por mulheres e se envolve com Judy, uma amiga de Art que se veste com figurinos espalhafatosos desenhados e costurados por ela. A aspirante a estilista desconfia que Reza seja gay, porque o garoto tem todos os discos da Madonna —incluindo edições de colecionador— e as paredes de seu quarto são cobertas de pôsteres da diva.

Com sua escrita pop e cheia de referências a astros da música e do cinema, “Tipo Uma História de Amor” figurou nas listas de melhores do ano passado nos sites americanos Entertainment Weekly e Buzzfeed. O livro teve seus direitos vendidos e está sendo adaptado para o cinema pelas roteiristas Marti Noxon e Jessica Rhoades, que produziram a série “Objetos Cortantes”, da HBO.

O cenário do romance é a Nova York de 1989, abalada pela Aids e pelos protestos dos ativistas do Act Up em favor dos doentes. Falar sobre o auge da epidemia de HIV foi uma das motivações do autor para escrever o romance, ele conta, além da possibilidade de discorrer sobre como era ser jovem e se perceber homossexual num contexto em que “você internalizava muito medo e muita vergonha”.

“Eu cresci numa família do Oriente Médio, não fui exposto a noções mais avançadas de conversação. Tinha muita homofobia”, relata, acrescentando que não havia filmes ou livros que refletissem seu processo de descoberta da sexualidade. “Quando você é novo e não sabe muito sobre o mundo, você acha que não pode ser gay e iraniano ou então que o mundo não quer que você exista.”

O escritor Abdi Nazemian
O escritor Abdi Nazemian - Marc OHrem-Leclef

Nazemian, de 44 anos, nasceu em Teerã, mas se mudou com a família para Paris quando tinha só dois anos. Aos sete, passou a morar em Toronto, onde ficou por três anos. Ele então se realocou em Nova York e, depois de concluir a universidade, conseguiu um emprego em Los Angeles como roteirista de filmes e programas de TV —cidade onde vive até hoje, com o marido e os dois filhos do casal.

Mesmo tendo vivido em várias capitais do mundo, o escritor afirma ter sido criado numa comunidade iraniana e diz que se sente muito ligado à cultura de seu país de nascimento, um lugar onde “ser gay pode ser punido com a morte”. Além da pena capital, no país persa quem se envolve sexualmente fora do casamento entre um homem e uma mulher também pode parar na cadeia e apanhar.

Nazemian relata sentir que tem um papel a cumprir ao escrever sobre gays iranianos e considera sua arte uma forma de ativismo. Seu primeiro livro, “The Walk-In Closet” —premiado em 2015 com o Lambda de melhor estreia literária, troféu entregue há três décadas para obras de temática LGBT— gira em torno de uma relação entre uma garota e um menino gay da comunidade persa de Los Angeles.

Ele também já dirigiu um curta-metragem com o mesmo universo temático —"Revolution"— e foi produtor associado do longa-metragem sensação "Me Chame Pelo Seu Nome", baseado no livro homônimo de André Aciman, sobre um garoto de 17 anos que se envolve com um homem mais velho.

Embora o enredo de “Tipo Uma História de Amor” tenha alta carga dramática, o texto nem sempre reflete isso. Por exemplo, a cena em que ativistas do Act Up se acorrentam à Bolsa de Valores de Nova York num protesto pela diminuição do valor de um remédio para a Aids é escrita de forma inofensiva, como se fosse uma travessura adolescente. Há pouco conflito na descrição de um evento de combate.

Por outro lado, com sua narrativa fluida, de frases curtas e fácil leitura, o livro prende o leitor, como um filme de sessão da tarde. A história triunfa ao mostrar com clareza os terríveis efeitos da Aids sobre suas vítimas, num período em que ter HIV equivalia à uma sentença de morte.

“Seus rostos são cadavéricos, como esqueletos. A pele rente aos ossos. Os olhos saltados para fora”, descreve assustado o protagonista iraniano, ao encontrar por acaso, em uma loja de conveniência, conhecidos de um amigo.

A doença é personificada com mais força no tio da garota Judy, Stephen, um advogado de imigração que está nos últimos meses de vida em decorrência de complicações do HIV. Ele perdeu 94 amigos para a Aids e guarda uma jujuba em homenagem a cada vítima em um pote —ele diz que vai comer os doces quando estiver prestes a morrer, para ter seus amigos sempre por perto.

Além da boa recepção da obra pela crítica, o autor se diz feliz ao saber que o livro tem circulado pelo Irã, embora os Estados Unidos não possam legalmente fazer negócios com o país. Nazemian conta receber mensagens de apoio dos leitores de lá, agradecendo pela inspiração que sua vida como homem e pai gay dá a eles.

“O Irã tem uma grande população de jovens altamente educados e progressistas e eles merecem um governo melhor do que têm. É importante que eles saibam o que jovens iranianos fora do país estão fazendo e, com sorte, essa mensagem pode ser discutida no Irã e fazer certas questões evoluírem.”​

Tipo Uma História de Amor

  • Quando 25 de setembro nas livrarias
  • Preço R$ 44,90 (352 págs.); R$ 29,90 (e-book)
  • Autor Abdi Nazemian
  • Editora Harper Collins
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