Descrição de chapéu

'Curral' é ficção, mas mostra com realismo venda de votos no país

Filme de Marcelo Brennand retrata água como moeda política em Pernambuco

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Curral

  • Onde Exibição na Mostra Play (plataforma online da 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo)
  • Elenco Thomás Aquino, Rodrigo Garcia e Carla Salle
  • Produção Brasil, 2020
  • Direção Marcelo Brennand

“São os fazendeiros e chefes locais que custeiam as despesas do alistamento e da eleição. Documentos, transporte, alojamento, refeições, dias de trabalho perdido e até roupa, calçado, chapéu para o dia da eleição, tudo é pago pelos mentores políticos”, escreveu Vitor Nunes Leal, que depois viria a ser ministro do Supremo Tribunal Federal, no clássico livro “Coronelismo, Enxada e Voto”, publicado em 1949.

Sete décadas depois, a mobilização de eleitores no interior do Nordeste é feita à base de cédulas de R$ 50, ajuda para exames médicos, promessas de empregos e, sobretudo, acesso à água.

Na essência, o modo de fazer campanha mudou pouco, como mostra “Curral”, filme de Marcelo Brennand que está na programação da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

É uma obra de ficção, mas há poucas licenças poéticas absurdas na história de Chico Caixa, anti-herói idealista que é tragado por uma trama sobre compra de votos durante uma eleição municipal em Gravatá, em Pernambuco.

Do jingle chiclete ao sorriso exageradamente branco no santinho do candidato, “Curral” chama a atenção pelo realismo ao retratar como as disputas políticas se desenrolam Brasil afora. Em determinados momentos, parece um documentário, o que é natural dada a produção cinematográfica anterior de Brennand, dedicada à não ficção.

Chico é um motorista de carro-pipa que logo no início do filme é demitido por levar água a moradores de uma região não cadastrada pelo prefeito Vitorino. Água é só para quem apoia o cacique, candidato à reeleição

Sem dinheiro, ele vai trabalhar na campanha a vereador de Joel, um jovem advogado que se apresenta como representante de um fenômeno bastante real das últimas eleições, a “nova política”.

Bonito, bem arrumado e sorridente, ele aos poucos se revela só mais um aprendiz de coronel, recorrendo aos mesmos métodos que impregnam a política desde os tempos do livro de Nunes Leal.

De casa em casa, rodeado por uma legião de cabos eleitorais vestidos de amarelo, ele se dedica ao mercado do voto, fazendo favores e anotando pedidos.

Mas não tem vida fácil, e esbarra no ceticismo de seus “clientes”. “Depois da eleição, os políticos passam tudo de carro com vidro escuro fechado”, diz uma mulher idosa com cara de poucos amigos.

“Sou advogado, não sou político”, responde o candidato. “Advogado é pior”, replica a eleitora.

Chico, a seu lado, é o encarregado de pedir uma espécie de recibo de voto futuro para os eleitores, numa cena saída da República Velha. Seu crescente drama de consciência é o motor dramático do filme.

Numa sequência especialmente didática, o prefeito Vitorino dá uma espécie de aula de política de cabresto.

“Dentro do jogo democrático, cabe o dízimo político”, diz ele a um grupo de apoiadores, prometendo os acomodar em cargos na administração municipal. “Não tem nada de errado com isso”, conclui.

Tentar dar uma roupagem democrática para a velha prática do apadrinhamento não é estratégia exclusiva dos grotões. O discurso poderia estar na boca de um líder do centrão no Congresso Nacional, por exemplo.

Nos últimos anos, uma série de reformas eleitorais procurou dar mais transparência ao financiamento de campanhas e à maneira como os votos são conquistados.

Muitas vezes, essas mudanças se concentraram nas novas formas de comunicação, como os disparos por WhatsApp. Mas, na campanha retratada em “Curral”, essas artimanhas mal aparecem. O clientelismo distante dos grande centros, em boa parte do Brasil, ainda é praticado de forma off-line.

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