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Nancy Meyers

Entenda como a pandemia ajudou 'O Pai da Noiva' a ganhar continuação

Diretora Nancy Meyers comenta como o coronavírus a fez reviver seus tempos de roteirista

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Nancy Meyers
Los Angeles | The New York Times

Eu achei que tinha me aposentado. Depois de 40 anos fazendo filmes, minha sensação era a de ter chegado ao fim. O plano era viajar mais, comprar uma rede. Você sabe, aquelas coisas todas que as pessoas fazem ao se aposentar. E aí a Covid-19 chegou aos Estados Unidos.

Quando ouvi dizer que a doença tinha chegado a Seattle, temi que a vida estivesse para mudar. Comecei a comprar suprimentos médicos, comida enlatada, caixas e mais caixas de macarrão e latas de manteiga de amêndoas.

Foi em 8 de março que decidi que talvez fosse melhor tomar a vacina contra pneumonia que meu médico vinha insistindo que eu tomasse há cinco anos. Liguei para a farmacêutica e perguntei se ela poderia me atender no estacionamento da farmácia para eu não precisar entrar num lugar onde poderia estar perto de pessoas doentes.

Ela me atendeu gentilmente e me encontrou do lado de fora da loja, com a vacina numa bandeja. Ela não estava de máscara. Eu estava. Estava até com duas máscaras. Segurei a respiração, recebi a injeção e voltei para casa. Desde então, praticamente não saí.

Meus filhos dizem que sou o tipo de pessoa que precisa de um projeto. Porque não podia me encontrar com os amigos e estava mantendo distanciamento social de meus filhos e netos, decidi transformar minha casa em projeto. Eu me tornei uma faxineira devotada. Em maio, depois de meses esfregando, polindo, varrendo, desinfetando e comprando novos equipamentos de limpeza incansavelmente na Amazon, eu percebi que não poderia continuar daquele jeito. Precisava de um escape. Precisava voltar ao trabalho.

Eu sabia que tinha muita sorte por poder ficar em casa enquanto muita gente não tinha a mesma capacidade. No noticiário, eu via famílias em fila, esperando comida. Em 2020. Nos Estados Unidos. Era muito doloroso. Será que existia alguma coisa que eu pudesse fazer? O que eu posso fazer? Foi quando enviei um email a Steve Martin e perguntei se ele tinha tempo para conversar. Ele respondeu dizendo que, se existia alguma coisa que ele tinha, era tempo.

Eu disse a Steve que tinha uma ideia para escrever uma continuação, a parte três, para “O Pai da Noiva”, um filme que meu ex-parceiro, Charles Shyer, e eu fizemos com Steve quase 30 anos atrás (seguido pela continuação “O Pai da Noiva 2”). Steve interpretava o papel-título, um pai que não quer deixar a filha sair de casa e projeta todas as emoções difíceis que isso desperta numa luta contra as despesas e a bagunça que caracterizam os preparativos de um casamento. Ou era assim que eu via a história, pelo menos.

Eu disse a Steve que achava que seu personagem, George Banks, um cara notório por reagir com exagero a tudo, merecia ser retomado em meio à pandemia. Expliquei que queria fazer o filme como uma forma de arrecadar dinheiro para a World Central Kitchen, a fim de ajudar as pessoas que estão em dificuldade.

Eu disse que todos os atores podiam filmar em casa, eu dirigiria o filme do meu computador, e aí daríamos um jeito de o lançar online. Na época, eu não sabia bem como fazer qualquer coisas dessas, mas perguntei a Steve se ele toparia participar, caso eu conseguisse descobrir uma maneira. Ele respondeu que sim sem hesitar. O mesmo aconteceu com Martin Short, Diane Keaton e o restante do elenco.

Homem entra com noiva em igreja
Cena do filme 'O Pai da Noiva', de Charles Shyer, lançado em 1996 - Divulgação

Fazia décadas que eu não escrevia sobre os personagens de “O Pai da Noiva”. Estava meio nervosa. Assisti aos dois filmes, fiz algumas anotações e fiquei com aquela sensação de empolgação na boca do estômago, algo que eu não sentia há muito tempo.

Era divertido e reconfortante imaginar como seria a vida da família Banks hoje. George e sua mulher, Nina (papel de Keaton), estariam na casa dos 70 anos agora. Fiquei imaginando como eles seriam, depois de 50 anos de casados. Continuariam a morar naquela grande casa branca? E o que teria acontecido com seu filho Matty, interpretado por Kieran Culkin? Quando o vimos pela última vez, ele tinha 12 anos.

Depois pensei sobre “O Pai da Noiva 2” os dois bebês nascidos no mesmo dia —o de George e Nina e o de sua filha Annie, papel de Kimberly Williams-Paisley, e seu marido, interpretado por George Newbern. Quando percebi que esses bebês teriam 25 anos achei que tinha errado a matemática. A sensação era parecida com a de encontrar os filhos de amigos a quem você não via há muito tempo e não conseguir acreditar que eles já são adultos. Fiquei ansiosa para começar a filmar.

Imaginar como George Banks poderia reagir à ideia de ficar confinado em casa não me deixava dormir. Eu parei de virar noites acordada por conta do noticiário apavorante e comecei a perder o sono pensando nas possibilidades da história. A pandemia voltou a fazer de mim uma roteirista.

Minha sensação imediata foi a de gratidão, mas logo comecei a me sentir culpada por isso. O trabalho estava me dando uma sensação de calma e propósito. Enquanto eu me perdia no mundo dos Banks, não precisava viver no mundo real —mesmo que a história se passasse em agosto de 2020.

Quando filmamos cenas noturnas de interiores, o termo usado é “noite cinematográfica”, porque continua possível distinguir os rostos no escuro. Eu estava escrevendo a pandemia desse modo –menos tenebrosa do que na realidade.

Todas as minhas preocupações e dúvidas sobre a pandemia atribuí ao personagem de Steve e, ao canalizar meus sentimentos por meio daquela personalidade naturalmente exagerada, consegui, enfim, rir de parte das situações em que tinha me colocado desde que surgiu a pandemia. Porque afinal, eu estava usando 50 pares de luvas descartáveis a cada mês e nunca saía de casa.

Eu estava encaminhando tantas mensagens com alertas sobre o vírus aos meus filhos que eles pararam de responder aos meus emails. Decidi que escreveria George Banks desse jeito –haveria uma parte maior de mim na personalidade dele desta vez.

Outra parte da minha vida que terminou incluída na trama foi o adiamento do casamento de minha filha, que aconteceria em julho. Matty teria 37 anos e tinha a idade certa para estar noivo e ter seu casamento cancelado. Lá estava a história para meu terceiro ato.

Depois disso tudo, eu só precisava descobrir como rodar um curta-metragem sem que nenhum dos participantes precisasse sair de casa. Nas primeiras semanas do verão, montei uma pequena equipe e mergulhei no mundo da filmagem remota.

Tivemos conversas por Zoom para estudar locações na casa dos atores. As salas que usaríamos precisavam se enquadrar à personalidade de cada personagem mas também funcionar como local de rodagem.

Quando um dos atores não tinha um espaço que funcionasse, nós enviávamos telas verdes para sua casa e encontrávamos fundos apropriados para inserir digitalmente mais tarde. Kieran, por exemplo, mora em Nova York, mas seu personagem supostamente vive em Los Angeles. Eu mandei uma tela verde para o apartamento dele, e usei uma foto da sala de jantar de minha filha como fundo para suas falas.

Os atores e eu decidimos sobre o figurino aproveitando o que eles tinham em seus guarda-roupas. Steve e eu achávamos que George Banks devia vestir abrigos de moletom. Procurei online e mandei uma dúzia de modelos diferentes para Steve, que ele experimentou e mostrou para mim numa conversa via FaceTime. Nenhum parecia funcionar perfeitamente.

Steve me mostrou um de seus velhos abrigos, e ele parecia perfeito para George Banks. Mais tarde, Steve comentou “quando você me convidou para esse trabalho, eu achei que seria uma boa diversão por duas horas, mas tivemos de filmar por quatro dias e passei seis dias experimentando roupas”.

Nosso produtor mandou uma caixa com equipamento para cada ator (luzes, um microfone e um iPhone).

Com a ajuda de maridos, mulheres, namorados e filhos, os cenários foram iluminados e estávamos prontos para filmar, em julho. A sensação era a daqueles filmes antigos em que a cidade inteira ajuda na produção de um musical de teatro, mas neste caso as pessoas são astros de cinema, e eu não poderia ser mais grata por seus esforços.

Os atores gravaram suas falas enquanto eu assistia às suas imagens meio borradas no Zoom. Eles não tinham como se ver facilmente, mas ouviam as falas uns dos outros. A uma certa altura da rodagem, havia dez imagens turvas de atores na tela do meu computador. Eu não conseguia perceber se os cabelos deles estavam bem arrumados ou se alguém tinha lágrimas nos olhos e, por isso, fiz tomadas suficientes para cobrir todas as eventualidades.

Foi desafiador, para dizer o mínimo, mas foi um desafio divertido. Acho que os atores diriam a mesma coisa. Não tínhamos as equipes, nem os recursos com que estamos acostumados. Não havia quem retocasse a maquiagem, ajeitasse cabelos, movesse as luzes, ajustasse os microfones ou desse um jeito no guarda-roupa. Não tínhamos um monitor para reproduzir as cenas rodadas e ver se estava tudo funcionando.

A edição também foi uma experiência única. Tínhamos a mesma quantidade de material que um filme pequeno teria. Afinal, eram dez câmeras rolando, por quase quatro dias. O editor do filme trabalhou em casa e compartilhava sua tela comigo, na minha casa.

Quando penso nisso, o processo incomum do trabalho reduziu o cinema aos seus elementos mais essenciais –atuações e contar uma história.

Mesmo que nunca tenhamos dividido uma sala ou até um mesmo fuso horário, a camaradagem continuou a existir. E, no final do processo, a sensação era como a de todos os filmes quando a rodagem acaba –uma pontinha de tristeza.

Para mim, a conclusão é de que sempre preciso de um projeto. Este, com seus temas positivos e amor pela família, fez com que eu me sentisse completa no momento em que mais precisava. E, se nossos esforços servirem para reconfortar alguém mais, foi uma boa maneira de passar o verão.

Tradução de Paulo Migliacci

O Pai da Noiva 3

  • Quando Disponível em inglês
  • Onde YouTube
  • Elenco Reese Witherspoon, Diane Keaton, Kieran Culkin, Kimberly Williams-Paisley, Florence Pugh, Ben Platt, Steve Martin, George Newbern, Alexandra Shipp, Robert de Niro, Martin Short
  • Direção Nancy Meyers
  • Duração 26 min.
  • Roteiro Nancy Meyers
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