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Filme 'O Conto das Três Irmãs' revê Tchékov ao mostrar ecos da pobreza

Diretor Emin Alper lembra estilo do iraniano Abbas Kiarostami, mas sem a mesma graça ao se deixar levar pelas situações

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O Conto das Três Irmãs

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  • Classificação 14 anos
  • Elenco : Cemre Ebüzziya, Ece Yüksel, Helin Kandemir, Kayhan Açikgöz, Müfit Kayacan, Kubilay Tunçer, Hilmi Özçelik e Başak Kivilcim Ertanoglu
  • Produção Turquia, Alemanha, Holanda, Grécia, 2019
  • Direção Emin Alper

Existem duas imagens-chave (que poderiam ser chamadas metonímicas) em “O Conto das Três Irmãs” –o escorpião e a estrada.

A estrada é a que abre o filme. O espaço se abre à nossa frente. Lembra filme de Kiarostami por alguns instantes. Mas logo o trajeto não é só algo que está lá, é um signo. Nós nos damos conta assim que vemos o rosto da jovem Havva, que chora discretamente. A estrada é o que traz e o que leva não só pessoas como suas aspirações.

Explicando melhor, Havva está voltando da cidade, onde era filha-empregada numa casa de família depois que a criança de que se ocupava morre. Ela não está sendo dispensada por incompetência ou algo assim, mas devido à fatalidade.

Cena de 'O Conto das Três Irmãs'
Cena de 'O Conto das Três Irmãs' - Divulgação

Reyhen, a irmã mais velha, também voltou da cidade, mas em outra situação. Estava grávida, gravidez atribuída a um “rapaz da farmácia”. Mas bem poderia ser outra pessoa, talvez o próprio patrão. O fato é que agora tem um filho e está casada com um pastor, o bobão do local.

Completa o trio a jovem Nurhan, a mais complexa das personagens do filme, terna, briguenta, ciumenta, amorosa. Chega de volta por ter batido numa das crianças de que se ocupava.

A segunda figura marcante do filme é o escorpião, que tem um peso literalmente simbólico. Ele, em si, não morde ninguém no filme. Mas representa o perigo e, sobretudo, as relações hostis que se estabelecem entre as personagens, sejam as próprias irmãs, sejam o pai-patrão ou o marido de Reyhen. Na situação de pobreza, isolamento e falta de perspectiva em que se encontram, todos podem ou desejam fazer mal a todos.

A situação das irmãs, digamos, tem algo conhecido no Brasil –famílias ricas ou de classe média “importam” moças pobres para serviços domésticos. Na Turquia, onde se passa o filme de Emin Alper, o estatuto é ligeiramente outro. As meninas são agregadas à família como filhas-empregadas, digamos assim.

Como na peça de Tchékov, que o filme adapta livremente, as três irmãs desejam com todas as forças sair daquele fim de mundo e voltar para a cidade. O lugarejo não traz outra perspectiva que não a de uma lenta inexistência.

Por outro lado, “a cidade” (incluindo seus personagens, em especial o médico que aparece em cena) se mostra de forma bastante ambígua. É o lugar almejado com todas as forças, mas também aquele em que a menor fraqueza (sexual, de caráter ou qualquer outra) se amplia cruelmente e leva as meninas à desgraça (no caso, o retorno à aldeia nas montanhas, mas poderia ser outra).

É essa situação que faz a força e a fraqueza do filme. Alper maneja os tempos e distribui as personagens com eficácia bastante para que o filme se desenrole à nossa frente e as situações permitem aos atores se desempenharem bem. Ao mesmo tempo, esses signos que percorrem o filme com insistência lembram seus limites.

O escorpião que tanto pode surgir numa brincadeira sem graça do pai como andar pela casa em primeiro plano sem outra função senão a de significar um destino em que o mal se manifesta de forma naturalizada é um desses indícios. A estrada, deserta quando era preciso estar ocupada e vice-versa, outro.

Se Kiarostami ia aos lugares distantes para melhor perder o controle de seu filme, Alper vai longe para preservar suas prerrogativas autorais. O que no caso implica certa previsibilidade, não tanto dos acontecimentos quanto dos sentidos implicados neles. Para o bem e para o mal, este é um filme sobre a pobreza e seus ecos nas personalidades.

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