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Hedy Lamarr foi uma atriz refém da própria beleza, diz biografia

Livro mostra que era possível mas difícil ser bonita, cientista e brilhante numa época em que homens não o admitiam

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A Única Mulher

  • Preço R$ 49,90 (320 págs.); R$ 19,99 (ebook)
  • Autoria Marie Benedict
  • Editora Planeta

Quem quer ler um livro que começa com a frase “minhas pálpebras tremularam e se abriram, então os holofotes me cegaram por um momento”? O início da biografia romanceada de Hedy Lamarr não prenuncia nada de bom.

No entanto, é preciso insistir um pouco. Se o fraseado de Marie Benedict não esconde, desde a abertura, o caráter comercial da escrita, em todo caso se trata de uma atriz hoje pouco lembrada —a não ser por seu papel no filme “Sansão e Dalila”, de 1949—, embora uma das mais bonitas a frequentarem uma tela de cinema. De passagem, é uma talentosa jovem da sofisticada burguesia judaica da Áustria, no pré-Segunda Guerra Mundial.

Como Benedict assume o ponto de vista das mulheres (o que, sem ser ilegítimo, é hoje um ponto de venda), seu romance biográfico vai se fixar sobretudo neste ponto —a beleza de Lamarr como entrave para conhecermos em sua totalidade a mulher que foi.

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A atriz Hedy Lamarr, objeto de uma nova biografia romanceada, em 1939 - Corbis-Bettmann/Reuters

Com efeito, essa beleza mirabolante é que leva o homem mais rico da Áustria a presentear a atriz com braçadas e mais braçadas de flores, dia após dia, até conseguir se casar com ela. Não que a tenha seduzido. Lamarr aceita se casar com Fritz Mandl por sugestão do pai, que julga o futuro marido um homem capaz de proteger a Áustria de Hitler —e, por extensão, os judeus.

Mandl era o homem mais rico do país, poderoso fabricante de armas e fornecedor de Mussolini, de quem era próximo. A ideia do pai de Lamarr era que Mandl poderia usar a Itália como escudo contra Hitler.
Tudo isso ocorreu antes da formação do Eixo Berlim-Roma, e a proteção que Mandl podia oferecer era ilusória, como se veio a saber depois.

Mandl logo se revela um marido ciumento e cruel —não só tira a atriz do palco como faz dela prisioneira em suas muitas mansões. Ele a reduz a um bibelô pronto a encantar as visitas durante as recepções que oferece.

Essa vida, que já começa rocambolesca, se tornará muito mais, acumulando alguns episódios ora interessantes, ora um tanto enfadonhos.

Ao longo deles, o foco de Benedict continuará sendo o de ressaltar, sempre, a inteligência e o valor da mulher. E aceitemos que Lamarr se mostra à altura do ponto de vista de Benedict, em sua existência cheia de aventuras —fugir do marido, escapar dos nazistas, chegar a Londres, conseguir um contrato com o estúdio MGM em pleno navio que a levava aos Estados Unidos, driblar os assediadores de Hollywood e tudo o mais.

Duas coisas, no entanto, atormentam Lamarr. A culpa por ter fugido da Europa, deixando outros judeus à própria sorte, e o não reconhecimento de outros méritos seus que não a beleza —existe o talento, mas ele parece meio secundário na narrativa.

Essas culpas levaram Lamarr a desenvolver uma insuspeitada carreira científica, nas horas de folga, em plena guerra, em parceria com o compositor George Antheil. Criaram um sistema capaz de corrigir os defeitos dos torpedos da Marinha dos Estados Unidos —aprovado e patenteado por mentes cientificas importantes. No entanto, encontrou resistência dos responsáveis pela Marinha americana.

Pela voz de Benedict, Lamarr acreditava que isso se devia à descrença do almirantado nos dotes científicos de uma mulher. Atriz de Hollywood, além do mais.

Pode ser. Pode ser que a Marinha já tivesse compromisso com outros fornecedores, ou que seus chefes fossem meio tapados. Enfim, com muito a conjecturar, Benedict encerra por aí —estamos no meio da guerra— a sua biografia.

É uma boa providência, pois nesse momento da vida, Lamarr ainda não tinha sido a deslumbrante Dalila de “Sansão e Dalila”. Ainda não podia, com a força de sua beleza, dominar o homem mais poderoso do mundo —Sansão, no filme, Hitler ou os chefões da Marinha, na vida real.

Mas o ponto de Benedict estava demonstrado. Já era possível ser atriz, bonita, cientista e brilhante —tudo ao mesmo tempo— num momento em que os homens nem de longe estavam dispostos a admitir isso.

O título original do livro, aliás, “The Only Woman in the Room” não é de tradução fácil. “Room” pode significar quarto, cômodo, lugar. O certo é que “A Única Mulher” dribla a dificuldade para, simplesmente, não fazer sentido.

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