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Metamorfose de Porto Alegre é tema de HQ ilustrada por arquiteta à moda antiga

Desenhos da cidade em 'Beco do Rosário', de Ana Luiza Koehler, lembram croquis feitos à mão, antes de ferramentas digitais

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Porto Alegre

Os desenhos dos prédios lembram os croquis à moda antiga, feitos à mão com lápis e papel. Com o tempo, a técnica foi substituída por um processo digital que lembra fotografias e elimina qualquer imperfeição do traço de origem humana.

Para retratar as transformações arquitetônicas de Porto Alegre na década de 1920, a quadrinista Ana Luiza Koehler optou pelo método analógico. Arquiteta de formação e autora da história em quadrinhos “Beco do Rosário”, Koehler também ilustrou a graphic novel.

É comum que as etapas de produção de quadrinhos sejam compartimentadas, atribuindo as funções de roteirista, quadrinista e colorista a diferentes profissionais. Com uma trajetória de ilustradora de graphic novels no mercado franco-belga desde 2004, Koehler assumiu os três papéis na sua HQ autoral.

Cada página foi finalizada em nanquim em folhas tamanho A3 —o​ dobro de um papel ofício comum— e colorida com aquarela. Neste processo artesanal de ilustração, cada página leva pelo menos seis horas para ficar pronta. Há desenhos com perspectivas do alto, interiores e fachadas.

“Beco do Rosário” narra o impacto da modernização do centro de Porto Alegre com a derrubada de áreas de moradia popular para construção de avenidas. O projeto foi selecionado para receber apoio do Rumos Itaú Cultural e inclui vídeos e fotografias com bastidores da criação.

“O que eu fiz foi pegar a ‘história a contrapelo’, como propôs Walter Benjamin, na contramão da narrativa oficial. Procurei mostrar quem estava perdendo com as conquistas. Em uma narrativa tão bonita, tão higienizada, o que está sendo deixado de fora?”, pergunta Koehler.

A autora imaginou protagonistas que viveram os episódios históricos da derrubada de diversos “becos” da capital gaúcha, incluindo o do Rosário que dá nome à obra e cedeu lugar para a construção da avenida Otávio Rocha.

Uma das personagens é Vitória, uma jovem negra de uma família que precisou deixar o local com a tomada da área pela prefeitura. Vitória se torna repórter do jornal O Exemplo, expoente da imprensa negra. O jornal antirracista circulou em Porto Alegre de 1892 até 1930.

Assim como o periódico, diversas referências presentes no enredo foram retiradas de pesquisas acadêmicas e figuras históricas. É o caso do Ateliê Friederichs, de João Vicente Friederichs, que produzia esculturas para fachadas dos novos prédios.

Na HQ, o personagem negro Fabrício serve de modelo ao escultor alemão Alfred Adloff, que atuou na capital gaúcha no início do século 20. Nos quadrinhos, Adloff está esculpindo o “Remador Negro”, ornamento do prédio da antiga Alfândega, próximo do rio Guaíba, representando os trabalhadores navais. As feições negras quebraram o paradigma da estatuária de inspiração na mitologia grega, conta Koehler.

“Quando se pensa na década de 1920, do modernismo, vem à mente o art déco, com suas linhas retas e arrojadas. Mas em Porto Alegre não foi assim. As construções ricas e elegantes eram art nouveau, era historicista, eclética, imitando o barroco alemão”, explica a arquiteta.

A derrubada dos becos para abrir novas avenidas, dar passagem aos bondes e até construir o viaduto Borges de Medeiros, também teve como consequência a gentrificação do espaço, um fenômeno compartilhado por outras metrópoles nas suas áreas centrais.

“Naquela época já havia o controle da habitação pelo viés econômico. As pessoas foram proibidas de ter casas térreas, com um piso, e residências de madeira foram vetadas. Além disso, pensões e cortiços pagavam os impostos mais altos. Era uma forma de forçar a alta dos aluguéis para aquelas pessoas, que precisavam viver perto do trabalho, se mudassem para longe”, diz.

Beco do Rosário

  • Preço R$ 39,90 (112 págs.)
  • Autoria Ana Luiza Koehler
  • Editora Editora Veneta
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